Ao delimitarmos nosso campo de estudo – Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores, à luz da relação Trabalho-Educação – construído a partir de uma perspectiva histórica, é necessário ressaltar, inicialmente, que nos dedicamos particularmente à educação de jovens e adultos enquanto um conjunto de ações intencionais e sistemáticas, empreendidas por diferentes agências e agentes, destinado àqueles que, na idade socialmente considerada própria, não tiveram assegurado o direito de acesso e/ou de permanência na escola, visando a concluir a Educação Básica conforme estabelecido, atualmente, pela LDBEN nº 9.394/96.
Ao adotarmos a denominação Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores, pretendemos evidenciar o fato de ser a noção de classe social a orientadora do conjunto de trabalhos desenvolvidos pelo EJATrab. Partimos do pressuposto de que reafirmar a centralidade da classe social para a compreensão das questões educacionais não significa desconsiderar o fato de que temas fundamentais e que possuem estatutos próprios, como os étnico-raciais, os relativos a gênero e a orientações sexuais, bem como os geracionais, podem e devem ser analisados a partir do ponto da situação de classe em que se situam.
Nossa opção teórico-metodológica – e, portanto, política – decorre, ainda, da compreensão do caráter relacional da noção de classe, o que ressalta a permanente relação que se constrói entre o ser individual e a sociedade. Na verdade, o ser se constitui em sociedade e esta é constituída a partir da permanente interação entre os indivíduos sociais, socialmente constituídos. Ou seja, entendemos que a noção de classe se afasta de qualquer concepção subordinada a estruturas dogmáticas, rígidas e a-históricas, uma vez que expressa o rico processo de constituição do indivíduo como ser social e, como tal, um ser histórico, assim como o é a sociedade em que constrói a sua humanidade.
Compreendemos, assim, que a ampla e multifacetada temática da diversidade constitui expressão da configuração historicamente heterogênea da classe trabalhadora. Associar, portanto, tais temas à noção de classe, tal como inscritos na textura social do modo de produção capitalista, constitui procedimento fundamental para pensar o mundo contemporâneo, contemplando, de forma simultânea, as particularidades e a totalidade. Assim, para além das diferenças de toda ordem, sublinhamos a realidade dinâmica e contraditória que perpassa dialeticamente todos os grupos sociais, sendo dotada da potencialidade de uni-los: a vivência das profundas assimetrias e de negação de direitos impostas a quem é atribuída a situação de subalternidade nas sociedades capitalistas.
Portanto, ao contrário de sinalizar para o fim da sociedade de classes, o que não corresponde à realidade objetiva, é necessário reconhecer que ela se torna cada vez mais complexa, em decorrência do desvelamento progressivo das particularidades raciais, étnicas, de gênero, geracionais etc, decorrente da própria luta de classes em suas diferentes manifestações. Essa dialética particularidade/complexidade, que pode num primeiro momento obscurecer a centralidade das classes sociais fundamentais em permanente situação de correlações de forças, não elimina os processos de expropriação e espoliação que se agudizam, integrando, de forma cada vez mais intensa, as estratégias de expansão do capital, visando a assegurar a eficácia dos processos produtivos, segundo os interesses dominantes.
Chegamos, assim, ao fundamental processo de produção da existência, ou seja, ao trabalho. A história da humanidade – a grande expressão do trabalho – evidencia que em todas as sociedades marcadas pelas assimetrias de poder, desde a antiguidade, o trabalho em sua dimensão ontológica foi subsumido por dimensões históricas, sendo, até hoje, colocado a serviço dos interesses das forças dominantes. Essas dimensões históricas marcaram a humanidade sob a forma do trabalho escravo, do trabalho servil e, mais recentemente, do trabalho sob a forma de mercadoria.
Nessa perspectiva, podemos compreender o trabalho como a base fundamental para que o ser humano viesse a se constituir como ser social, superando a esfera do ser dominado pela natureza – característica dos animais – para o de ser que pensa e transforma a natureza pelo trabalho, para assegurar sua existência. Evidencia-se, assim, que embora o ser humano também seja um ser da natureza, somente ele é capaz de projetar sua existência, mapear alternativas, tomar decisões, modificá-la e, modificando-a, transformar também a si mesmo, para assegurar sua existência e ampliar suas possibilidades. Uma vez que não foi geneticamente programado para responder instintivamente aos desafios impostos pelo mundo natural, o ser humano, aparentemente portador de um limite para a própria sobrevivência, a partir desse limite constrói sua própria humanidade, o que é vetado aos outros seres vivos. Assim, a vulnerabilidade humana constitui, na realidade, a sua força.
Assim compreendido, para além de suas diferentes conformações ao longo da história, o trabalho assume o caráter mediador da relação entre o homem e a natureza, uma vez que o primeiro, ao mesmo tempo em que transforma a natureza, transforma a si mesmo.
Em decorrência, a plena compreensão da categoria trabalho implica reconhecer sua dupla dimensão, a ontológica e a histórica, sempre indissociáveis. As dimensões ontológica e histórica do trabalho estão inteiramente imbricadas, constituindo sua dupla face, embora a segunda prevaleça sobre a primeira em decorrência das formas históricas de divisão das sociedades em classes. Nessas, a forma como os seres humanos produziam, e produzem, seus meios de vida levou à separação dos espaços de educação e de produção. No entanto, é fundamental não ignorar que tal cisão decorreu da própria determinação do processo produtivo que, em cada configuração sócio-histórica, estabelece padrões e exigências específicas a serem atendidas pelo processo educativo.
Assim, a educação, aqui abordada como atividade sistemática de formação humana, em sua função central na reprodução da vida social, expressa permanentemente a centralidade do trabalho enquanto princípio educativo. Nesse sentido, pode-se afirmar que o princípio educativo do trabalho abriga, também, uma dupla dimensão: a ontológica e a histórica.