Desvio no Projovem em 7
cidades mineiras passa de R$ 3 milhões
23 pessoas foram presas, entre
elas, o ex-prefeito Maurilio Arruda.
Ex-prefeitoTadeu Leite ainda não
respondeu pelo Caso 'Laranja com Pequi'.
17/06/2014
A
Polícia Federal e os Ministérios Públicos Estudual e Federal desarticularam 10
esquemas de corrupção no Norte de Minas Gerais em dois anos. O rombo aos cofres
públicos pode chegar a R$ 1 bilhão. 60% de todo o trabalho da unidade da PF em
Montes Claros é voltado para a investigação de casos de corrupção, percentual
que supera o tráfico de drogas, por exemplo.
Esta
segunda reportagem da série "Corrupção: Impactos de um crime" explica
como funcionava um esquema que envolveu sete cidades mineiras: Januária, São
Francisco, Taiobeiras, São José da Ponte, Araçuaí, Coração de Jesus e Três
Corações. A Justiça estima que a fraude tenha causado prejuízo de mais de R$
3,6 milhões aos cofres públicos. 23
pessoas foram presas, entre elas, o ex-prefeito de Januária, Maurilio Arruda.
Na
região, os cursos do Programa Nacional de Inclusão de Jovens no mercado de
trabalho (Projovem) eram oferecidos pelo Instituto Mundial de Desenvolvimento e
Cidadania (IMDC) com sede em Belo Horizonte. Entretanto, conforme o procurador
do Ministério Público Federal (MPF), André de Vasconcelos, o instituto não
tinha condições adequadas para oferecer os cursos, o que prejudicou a atendente
de supermercado, Samara Cristina, de 22 anos.
A
jovem se matriculou em um curso de Cuidados Pessoais, oferecido pelo Projovem.
Segundo Samara, a experiência foi frustrante.
“A
gente ficou sabendo que deveríamos visitar salões de beleza e seguir o livro
passo a passo. Só que isso não aconteceu. Eu acredito que ninguém teve proveito
do curso”, comenta a atendente de supermercado.
“Ele
[IMDC] era uma ‘terceirizadora’, ou melhor, o instituto vivia a partir da
terceirização da mão de obra não qualificada, com o objetivo de superfaturar os
serviços contratados para serem executados”, diz Vasconcelos.
Por
meio de convênios, as prefeituras pagavam o IMDC com dinheiro recebido do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Um relatório da Controladoria Geral da
União (CGU), feito em junho de 2013, mostra uma série de irregularidades na
contratação do IMDC. Em algumas cidades foi dispensada a licitação e o pagamento
chegou a ser feito antes da execução dos serviços.
“O IMDC é uma instituição como poderia ser
qualquer outra, de nome ABC ou DCE. Não importa. Foi uma instituição montada, a
nosso juízo, para propiciar esse tipo de desvio. Mas se não houvesse o IMDC, seria
constituído outro para propiciar o desvio”, completa André de Vasconcelos.
“A
orientação do parecer do doutor Vicente é no sentido de pagar somente o serviço
que ia ser executado, e assim foi feito. Quem determinou abrir o processo
administrativo fui eu, quando chegaram no meu gabinete
as notícias”, comenta Arruda.
Conforme a Justiça, ele teria ignorado
orientações sobre as irregularidades do esquema. Ainda de acordo com as
investigações, quem facilitava a fraude na região era
Marcos Vinicius da Silva, o “Marquinhos”. Desde o dia 9 de novembro de 2013 ele
é considerado foragido. Entre os cargos ocupados por ele, está o de assessor do
deputado estadual Ademir Camillo; criador do projeto que regulamentou o
Projovem trabalhador em todo o Brasil.
Segundo
a PF, o MPF e o MPMG, este não foi o único esquema de fraude com dinheiro
público comandado por Marcos Vinícius no Norte de Minas. O nome dele aparece
também em investigações de um esquema que envolvia compra e venda de
precatórios para compensar dividas de prefeituras com a Receita Federal. Marquinhos seria o responsável por fazer a ligação entre uma
empresa do Espírito Santo, que vendia os documentos, e as prefeituras do Norte
de Minas, entre elas Montes Claros.
Compensar
dívidas com a Receita Federal usando os precatórios é legal, mas vários
procedimentos precisam ser feitos para autorização. De acordo com o delegado da
Receita Federal, Gilmar Medeiros, para realizar tal compensação é necessário autorização judicial.
“Posterior
a isso, o contribuinte deve ir a Receita Federal e requerer um pedido da
habilitação desse crédito que será analisado previamente para depois compensar
os tributos”, relata o delegado.
Caso “Laranja com Pequi”
Ainda
de acordo com Medeiros, o ex-prefeito de Montes Claros, Luiz Tadeu Leite, sabia
das regras dos precatórios, mas tentou burlar as normas, iniciando uma sucessão
de fraudes. Os documentos apresentados para justificar a compensação dos
créditos eram falsos. Montes Claros teve muitos danos com a fraude.
“Na
fiscalização realizada houve uma apuração de crédito tributário em torno de R$
30 milhões. Em respeito ao contraditório, o município apresentou impugnação do
orçamento. Juntou-se alguns documentos a essa
impugnação todos eles vistados pelo ex-prefeito. E dentre esses documentos,
novamente juntou-se um ofício falso da Previdência Social, e ainda ele teve a
audácia de apresentar um ofício falso supostamente emitido pela própria Receita
Federal da Delegacia de Brasília”, completa o delegado da Receita Federal.
Luiz
Tadeu Leite foi prefeito de Montes Claros quatro vezes. O nome dele apareceu
também nas investigações de outro esquema de desvio de verba pública na cidade.
No primeiro semestre de 2012, o Ministério Público Estadual apurou que os
contratos de fornecimento da merenda escolar na cidade eram superfaturados.
A
suspeita começou quando o valor gasto com a alimentação dos alunos saltou de R$
2 milhões para R$ 12 milhões. No inquérito, o nome do ex-gestor aparece como
atuante no esquema. Em Montes Claros, quatro pessoas foram presas. Tadeu Leite
não respondeu ao processo segundo a Polícia Federal, por causa da imunidade
parlamentar.
“Prefeitos,
deputados e outros políticos que são corruptos contumazes não são efetivamente
presos no momento inicial da operação, porque eles gozam dessa horrível
prerrogativa de função. De modo que são julgados pelos tribunais, evitando a
apreciação dos fatos pelo juiz de 1ª instância”, comenta o delegado da Polícia
Federal Marcelo de Freitas.
Por
causa do esquema dos precatórios, no dia dois de julho de 2013, a Justiça
emitiu um mandado de prisão temporária para o ex-prefeito de Montes Claros. Ele
não foi preso e alegou nos Estados Unidos para tratamento médico. Atualmente,
conforme apuração do MG Inter TV, Luiz Tadeu Leite mora em um prédio de luxo em
Miami. O imóvel é orçado em US$ 700 mil dólares.
“Eu
fico imaginando como é que a pessoa tem coragem de depois de um dia de trabalho
ir para casa e dormir, o sono que deveria ser dos justos. Como ele consegue
fazer isso e no outro dia chegar e olhar para sua cidade e ver o caos
implantado. Eu custo a crer como é que um ser humano possa ser tão insensível
diante desse caos absoluto que foi provocado em boa parte pela própria má
administração”, afirma o promotor Paulo Márcio.
O que dizem os envolvidos
A
produção do MG Inter TV 1ª Edição, tentou por várias vezes falar com algum
representante do Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC), mas
nenhuma das ligações foi atendida.
Marcos
Vinicius informou ter conseguido habeas corpus derrubando o último mandado de
prisão, que ainda havia contra ele, junto ao Superior Tribunal de Justiça. A
informação foi confirmada no site do STJ.
A
decisão concede a Marcos Vinícios da Silva, o direito de aguardar o julgamento
em liberdade, mas estipula o cumprimento de algumas medidas cautelares, como
comparecimento periódico em juízo e proibição de acesso a qualquer órgão da
administração municipal dos municípios em que teriam sido praticados os crimes
referidos no processo, bem como o contato com pessoas suspeitas no caso ou
testemunhas.
Sobre
o mandado de prisão temporário por causa dos precatórios, aberto em nome do
ex-prefeito de Montes Claros, Luiz Tadeu Leite, a Justiça informou que foi
revogado.
Em
relação a possíveis fraudes no fornecimento de merenda escolar, o advogado de
Tadeu Leite, Sânzio Nogueira, informou que o Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais invalidou as investigações da operação “Laranja com Pequi”, porém
este parecer foi reformado pelo Superior Tribunal de Justiça. Cabe agora ao STJ
decidir.
Ainda
segundo o advogado, o Ministério Público não tem competência para investigar o
prefeito e, mesmo que a Justiça entenda o contrário, as investigações, segundo
ele, não se concretizam em provas contra o ex-prefeito.
Quanto
à operação Esopo, Sânzio Nogueira disse não saber se as investigações se
transformaram em denúncia junto à Justiça, por isso a defesa fica
impossibilitada de manifestar amplamente sobre as acusações.
Também
de acordo com o advogado, Luiz Tadeu Leite está à disposição das autoridades e,
logo que tomar ciência dos fatos, não se negará a prestar em juízo os
esclarecimentos necessários.
Fonte: