Folha Dirgida,
16/12/2003 - Rio de Janeiro RJ
A volta do ensino médio técnico está na
pauta do Governo Federal
Integrar novamente o ensino médio ao ensino técnico. Essa parece ser a grande mudança do novo decreto para educação profissional que está sendo elaborado pelo Governo Federal. Embora o documento esteja ainda na Casa Civil, o meio educacional já começa a debater os impactos desta nova alteração da legislação. Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), Francisco Cordão anunciou as mudanças durante sua participação na audiência pública, realizada no Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ), no último dia 9, voltada justamente para o debate das perspectivas da educação profissional no estado do Rio de Janeiro.
No encontro, Francisco Cordão explicou que as mudanças não promoverão uma simples volta ao ensino médio técnico, como havia no passado. "A nova legislação vai possibilitar que as instituições, que quiserem, façam seu projeto integrado. Mas não significa uma mera volta ao passado. Significa que as instituições de ensino vão ter de fazer um projeto pedagógico a partir de perfis profissionais de conclusão claramente definidos. Vão estabelecer um projeto pedagógico que integre os conteúdos de ensino médio e de educação profissional, sem que um substitua o outro". Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, o presidente da Câmara de Educação Básica do CNE esclareceu implicações das mudanças no dia-a-dia das escolas. O professor também aproveitou a oportunidade para elogiar o Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ), que se adiantou e já prepara uma nova deliberação sobre educação profissional, à luz das novas propostas federais.
Folha Dirigida - Já está na Casa Civil um novo decreto propondo alterações
na educação profissional. Quando esse documento deve sair?
Francisco Cordão - Espero que até o final de 2003 ou, no máximo, até o início de 2004.
Folha Dirigida - A nova legislação voltará a integrar ensino médio e
educação profissional como ocorria anteriormente?
Francisco Cordão - Educação profissional não é o que havia na lei antiga (lei 5692/71). Na lei antiga, educação profissional era a metade do ensino médio. Agora não! Nesta nova proposta integrada, há 2.400 horas no ensino médio. Com isso, podemos acrescentar mais 1.200, 800 ou mil horas, por exemplo, de conteúdo de ensino técnico profissional. Se fizermos um curso na área de indústria com 2.400 horas de ensino médio e acrescentarmos mais 1.200 de ensino técnico, teremos um curso ensino médio profissionalizante de 3.600 horas, por exemplo. Vamos trabalhar com essa nova carga horária, planejar conjuntamente tanto a parte de bases científicas e tecnológicas, quanto a parte profissional. Porém, não se trata de por a educação profissional no lugar do ensino médio.
Folha Dirigida - Como ficará a matriz curricular?
Francisco Cordão - A matriz curricular poderá ser integrada de novo e poderá continuar independente, se a escola quiser. A grande mudança é que a decisão passa a ser da escola e não é mais centralizada. Então, se a escola quiser vai poder voltar a oferecer o ensino médio profissionalizante.
Folha Dirigida - Então, o novo decreto trará de volta o ensino médio de
nível técnico?
Francisco Cordão - Voltaremos a ter a nomeclatura técnico de nível médio, que, aliás, consta na LDB. O decreto 2.208/97 é que havia aposentado essa nomeaclatura.
Folha Dirigida - A nova legislação vai propor mudanças tão radicais
como as do decreto 2.208/97, que separou o ensino médio da educação profissional?
O que vai mudar no dia-a-dia das escolas com a nova legislação?
Francisco Cordão - A mudança do 2.208/97 foi radicalizar a separação entre ensino médio e educação técnica. Essa mudança não será tão radical assim. A nova legislação vai possibilitar que as instituições, que quiserem, façam seu projeto integrado. Mas não significa uma mera volta ao passado. Significa que as instituições de ensino vão ter de fazer um projeto pedagógico a partir de perfis profissionais de conclusão claramente definidos. Vão definir um projeto pedagógico que integre os conteúdos de ensino médio e de educação profissional, sem que um substitua o outro.
Folha Dirigida - E como essa mudança poderá ser percebida na prática?
Francisco Cordão - Por exemplo, ao se fazer um curso de técnico em Ótica, planeja-se de tal maneira o currículo, que se coloca a disciplina refração de lentes depois do aluno já ter aprendido, em Física, a parte de Ótica. É um planejamento integrado. Exige que o professor de Física planeje sua disciplina discutindo com o professor de Ótica Geométrica. O professor deixa de ser simplesmente o responsável pelo ensino de Física e se torna responsável pela disciplina Física, no curso integrado de técnico em Ótica.
Folha Dirigida - E o que é preciso fazer para divulgar a legislação
educacional junto às escolas?
Francisco Cordão - A legislação está sendo divulgada diariamente. E os planos de curso aprovados estarão disponíveis na internet no cadastro nacional de cursos de nível técnico. Com a implementaçào desse sistema, todo mundo vai ter acesso a todos currículos e propostas pedagógicas.
Folha Dirigida - Quais os rumos que a educação profissional vai tomar a
partir destas mudanças que estão sendo elaboradas?
Francisco Cordão - A grande mudança da educação profissional ocorreu com a Lei de Diretrizes e Bases (lei 9394/96), na medida em que esta articulou as dimensões de educação, trabalho, ciência e tecnologia. O que se pretende agora, com a reforma do Decreto 2.208/97, é aprofundar essa mudança, definindo com maior clareza as alternativas para as escolas organizarem os cursos de educação profissional integrada e/ou articulada com o ensino médio. Quer dizer que poderemos ter matrículas distintas com o mesmo projeto pedagógico, na forma concomitante ou seqüencial. Trata-se de dar novas alternativas para as escolas trabalharem a educação profissional articulada com o ensino médio, e não no lugar do ensino médio, porque a educação profissional é complementar.
Folha Dirigida - Na sua opinião, qual é o
grande desafio da educação profissional nos dias de hoje?
Francisco Cordão - O grande desafio da educação profissional está colocado nas diretrizes curriculares que estão sendo retomadas na orientação da nova deliberação que está sendo elaborada no Rio de Janeiro. Trata-se de trabalhar a educação profissional a partir de projetos pedagógicos comprometidos com o desenvolvimento de competências profissionais. O que significa isso? Significa que a educação profissional não deve se restringir ao ensinar a fazer. Desenvolver competência profissional é desenvolver a capacidade pessoal de articular, mobilizar e colocar em ação os conhecimentos, as habilidades e valores, para resolver os desafios da vida profissional de modo eficiente e eficaz. Significa que quem aprendeu a fazer deve saber porque está fazendo dessa maneira e não de outra, tendo condições de tomar decisões profissionais e de monitorar os seus próprios desempenhos. Quer dizer que queremos uma escola comprometida com resultados em termos de desenvolvimento de competências profissionais. Essa é a grande mudança.
Folha Dirigida - E isso já está no teor da nova deliberação sobre
educação profissional que está sendo elaborada pelo Conselho Estadual de
Educação do Rio de Janeiro?
Francisco Cordão - Exatamente. O Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ), com essa nova deliberação, está dando um importante passo à frente, nesse momento de mudança do cenário nacional da educação profissional.