Folha de São Paulo, 22/12/2003 - São
Paulo SP
Um terço dos analfabetos já foi à escola
Pesquisa demonstra que não basta apenas colocar os alunos na sala de
aula para combater o analfabetismo
Antônio Gois Da
Sucursal Do Rio
Mais de um terço (35%) dos analfabetos brasileiros com mais de 15 anos já frequentou, alguma vez na vida, uma escola.
É o que mostra um cruzamento feito por técnicos do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Ministério da Educação, a partir de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2001 do IBGE.
A constatação indica que não basta colocar todos os analfabetos brasileiros na sala de aula para erradicar, de forma instantânea, o analfabetismo no Brasil.
Segundo a Pnad 2001, o Brasil tem 15 milhões de analfabetos com mais de 15 anos. Se a experiência escolar dos analfabetos que já frequentaram a escola tivesse sido bem-sucedida no seu rudimento mais elementar (aprender a ler e escrever), o país teria 5 milhões a menos de brasileiros que não sabem ler ou escrever um bilhete simples -a taxa de analfabetismo entre adultos cairia de 12,4% para 8%.
O levantamento feito pelos técnicos do Inep mostra que a imensa maioria (82%) dos analfabetos que já passaram pela escola frequentaram o ensino fundamental, mas 13% deles fizeram cursos de alfabetização de adultos. O Inep fez também o mesmo cruzamento a partir dos dados do Censo 2000 e descobriu que, em 74% dos casos, os analfabetos que frequentaram escolas chegaram a completar ao menos um ano de estudo. Ou seja, eles chegaram ao fim, ao menos, da 1ª série.
Para o consultor João Batista Oliveira, ex-secretário-executivo do Ministério da Educação, os dados sugerem que a experiência desses analfabetos com a escola foi curta e sem sucesso.
"Há uma relação forte de insucesso na escola e abandono. Muitos desses analfabetos ficaram pouco tempo no sistema. Mesmo que você aprenda a ler e escrever, se não atingir um nível mínimo de proficiência na leitura, a tendência é acontecer a regressão ao analfabetismo. Os governos insistem em cometer os mesmos erros, apostando em programas relâmpago", disse Oliveira.
Para ele, o problema não está apenas nos rápidos cursos de alfabetização de adultos, mas também na escolha de um método ultrapassado para alfabetizar as crianças. "Não adianta combater o analfabetismo adulto se não for corrigido o problema lá embaixo", afirmou Oliveira.
O secretário extraordinário de erradicação do analfabetismo do Ministério da Educação, João Luiz Homem de Carvalho, afirmou que uma pesquisa qualitativa feita pelo ministério neste ano já havia demonstrado que um grupo significativo de analfabetos teve alguma experiência escolar. "Muitos analfabetos contaram que foram à escola, mas que, por diversas razões, tiveram que abandonar os estudos. O motivo mais comum do abandono era a necessidade de trabalhar na roça", relatou Carvalho. Para o secretário, além do abandono da escola para trabalhar, a estatística de analfabetos é engrossada por brasileiros que chegaram a aprender a ler e escrever, mas que, por falta de uso ou de continuidade das políticas públicas de acesso à educação, acabaram voltando a ser iletrados.
Além disso, ele aponta o problema de cursos de alfabetização malfeitos. "Há cursos de alfabetização que não são suficientes para ensinar a pessoa a ler e escrever, da mesma maneira que existem também cursos superiores que não preparam bem o aluno."
Na avaliação de Maria Clara Di Pierro, assessora de políticas públicas da ONG Ação Educativa, o resultado do levantamento do Inep não surpreende.
"Todas as pesquisas têm mostrado que a alfabetização é um processo contínuo, que não pode acontecer de forma instantânea. Os dados desse cruzamento reafirmam que é importante investir no primeiro passo da alfabetização, mas é preciso que o poder público garanta a continuidade dos estudos", afirmou.
Segundo Pierro, os estudos que a Ação Educativa vem fazendo com o Instituto Paulo Montenegro (ligado ao Ibope) indicam também que uma parcela significativa (37%) dos trabalhadores brasileiros não precisa da leitura para executar suas funções no trabalho, o que indica que os profissionais com pouca qualificação têm mais dificuldade para aplicar o conhecimento adquirido com a alfabetização em seu cotidiano.