UOL Educação, 05/12/2005 - São Paulo SP

Setor privado domina ensino técnico no país

Antônio Gois da Folha de S.Paulo, no Rio

 

Está acontecendo no ensino técnico brasileiro o mesmo fenômeno já cristalizado no superior: o setor privado vem aumentando sua participação ano a ano, ocupando um vácuo deixado pelo poder público. Dados do Censo Escolar do MEC tabulados pela Folha mostram que, de 2001 para 2005, o número de matrículas nas escolas técnicas particulares aumentou 78%. No setor público, esse aumento foi de 27%. As escolas técnicas atendem no país um público de aproximadamente 700 mil estudantes. O conteúdo profissional desses cursos pode ser conciliado com aulas do ensino médio ou feito por quem já tenha diploma de nível médio.

 

Mais procurados - O diploma de técnico, no entanto, não tem o mesmo valor de um de graduação. Os cursos mais procurados estão na área de enfermagem (142 mil alunos), informática (70 mil), contabilidade (29 mil) e eletrônica (28 mil). Com o crescimento maior do ensino privado, o país tem hoje 58,2% de seus alunos em escolas particulares. Em 2001 (primeiro ano em que esse setor foi pesquisado no censo escolar), a divisão era praticamente igual, com 49,9% nas instituições privadas e 50,1% nas públicas.

 

Para o secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, Eliezer Pacheco, o baixo crescimento do setor público (se comparado com o privado) deve-se à lei 9.649 de 1998, aprovada no governo FHC, que impedia a criação de escolas técnicas federais sem participação de Estados ou municípios. "Essa lei praticamente proibiu a criação de unidades da rede federal. Quando o presidente Lula assumiu, em 2003, estávamos amarrados por essa determinação, sem poder abrir novos cursos", diz.

 

Visão diferente - O ministro da Educação no governo FHC (1995-2002), Paulo Renato Souza, faz outra leitura dos dados.

"Não considero negativo o crescimento do setor privado, diz ele. "É um serviço que está sendo ampliado. O objetivo dessa lei foi estabelecer que a expansão das escolas técnicas federais deveria ser feita em parceria com Estados e municípios. Entendíamos que não era papel do governo federal ser mantenedor de uma rede de escolas. Achávamos que o ideal era estimular a expansão via Estados e municípios", afirma Paulo Renato Souza. Um dos instrumentos que o ministério usou para tentar expandir a rede de escolas em parceria com Estados e municípios foi o Proep (Programa de Expansão do Ensino Profissional), feito em parceria com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em que banco e governo alocariam, cada um, US$ 250 milhões.

 

Para Pacheco, houve falhas na execução do programa: "Um terço dos recursos acabou indo para a iniciativa privada. A verba que foi para escolas públicas teve resultado excelente, mas os recursos que pararam na iniciativa privada, em alguns casos, esbarraram na falta de tradição e de competência dessas instituições. Por isso ainda há muitas obras inacabadas, sem professor". O secretário do MEC diz que essa foi uma das razões que levaram o BID a reavaliar o programa. "O banco ainda não renovou o contrato conosco. Por isso estamos ainda em negociação." Para o ex-ministro, o convênio só não foi renovado ainda por "incompetência" do atual governo: "O que o BID tem reclamado é da falta de contrapartida do poder público brasileiro no programa. O atual governo parou os projetos por inépcia. Financiamos via Proep várias cursos comunitários com ótimos resultados".

 

Previsão de mudanças - Polêmicas à parte, Pacheco afirma que esse quadro de redução proporcional do setor público deve começar a diminuir a partir do ano que vem. "Somente neste ano conseguimos, após muita resistência de parlamentares de oposição no Congresso, aprovar uma nova lei. Em vez de tornar obrigatória a parceria com Estados e municípios, alteramos o texto para o termo preferencial. Com isso, já temos previstas 32 novas escolas no país e, dessas, pelo menos 12 devem começar a funcionar até o segundo semestre do ano que vem", diz o secretário. Para viabilizar o plano, o MEC enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei de crédito suplementar de R$ 57 milhões para investimento em escolas técnicas.