Correio Braziliense, 18/03/2003 - Brasília DF

Sem condição de ficar na escola

Apesar de gratuito, ensino público impõe gastos que famílias pobres não conseguem bancar. Dinheiro de programas como Renda Minha vai para a comida. Sem recurso para estudar, jovens engrossam índices de evasão

Guaíra Flor da equipe do Correio

 

Manter o filho na escola é tarefa cada vez mais difícil para milhares de famílias carentes. Está certo que na rede do governo não se paga mensalidade e, até a oitava série, os livros didáticos e a merenda são distribuídos a todos. Mas o ensino público está longe de ser gratuito. Pesquisa da Universidade Católica de Brasília (UCB) revela que as escolas da rede oficial induzem a uma série de gastos extras com alimentação, uniforme e material escolar. No ensino médio, por exemplo, um aluno do Distrito Federal custa entre R$ 1.828 e R$ 1.932 para os pais. Isso, se a família comprar apenas a metade dos livros pedidos pelo colégio.

 

‘‘Esses gastos indiretos com o ensino público levam alguns jovens a abandonar os estudos’’, lamenta Cândido Gomes, autor do estudo e professor do mestrado de Educação da UCB. ‘‘Isso provoca o aumento do trabalho infantil e da violência, porque alguns desses adolescentes buscarão atividades ilícitas, como pequenos furtos ou tráfico de drogas.’’

 

Até o final do ensino fundamental (primeira a oitava série), as famílias contam com apoio do governo para manter os filhos na sala de aula. ‘‘A bolsa-escola ajuda a baratear os gastos induzidos com a educação das crianças entre 6 e 15 anos’’, avalia Otaviano Helene, presidente do Instituto Nacional de Educação e Pesquisa (Inep). Além disso, eles não precisam gastar com livros, sem dúvida o mais caro dos custos indiretos da escola pública (leia quadro).

 

Apesar disso, muitas famílias têm dificuldades para bancar o estudo das crianças. ‘‘Ou eu dou o material escolar ou a comida’’, explica Elma Gomes Alves, 37 anos, moradora do Recanto das Emas. Desempregada há mais de um ano, ela mantém quatro dos seis filhos na escola. Apenas dois recebem recurso do programa Renda Minha — o que assegura um orçamento familiar de R$ 90 por mês. O dinheiro ajuda a sustentar a casa, mas não os estudos das crianças. Duas delas vão para aula sem uniforme, caderno ou caneta.

 

Para poucos

No ensino médio, a situação é pior. Além de não contar com nenhum benefício do governo, os pais dos estudantes precisam arcar com as despesas com livros, vestuário, transporte, lanche e material escolar. Isso provoca um verdadeiro rombo no orçamento familiar. ‘‘Esse é um dos principais motivos dos nossos altos índices de evasão escolar’’, disse o presidente do Inep, durante o lançamento da coletânea Geografia da Educação Brasileira, na semana passada. Segundo o estudo do MEC, de cada dez alunos que ingressam na primeira série do ensino fundamental, apenas quatro conseguem o diploma de ensino médio. O professor Cândido Gomes,        da UCB, concorda. Segundo ele, os gastos indiretos com a educação constituem um mecanismo de exclusão social. Eles afastam os jovens carentes da escola e prejudicam a democratização do ensino médio. Daí a necessidade de criar políticas públicas que facilitem a permanência desses adolescentes no colégio, defende Gomes. Leia, ao lado, histórias de famílias que lutam para manter os filhos na escola pública, apesar da falta de dinheiro.

 

Pobreza

R$ 210 é a renda mensal média das famílias dos alunos matriculados nas escolas públicas de ensino médio do Distrito Federal.

 

Despesa inevitável

Gastos com ensino médio

Um aluno de rede pública do DF não paga mensalidades, mas tem de comprar livros, uniformes, lanches, etc. Para isso, precisa de pelo menos R$ 1.828 nos três anos do ensino médio. Veja o que representa cada um desses itens no total das despesas.

31,8% são gastos com livros

26,6% com vestuário

19,4% com transporte

18,9% com lanches

3,3% com material escolar

Fonte: Departamento de Mestrado de Educação da Universidade Católica de Brasília. Os dados são referentes ao ano de 2000.