RS:
sem professores há 40 dias, cursos técnicos decepcionam alunos
09/04/2013
Com
o mercado de trabalho aquecido na área de tecnologia da informação (TI), fazer
um curso técnico em informática era a oportunidade de mudar de vida para Gilmar
Jacobsen, 34 anos, que há três anos tentava uma vaga
no sorteio para estudar no Colégio Estadual Protásio
Alves, em Porto Alegre (RS). Passados 41 dias do começo das atividades na
escola, ele não teve aula das principais disciplinas do curso por falta de
professores. A empolgação para Jacobsen e outros
milhares de jovens que buscam a educação profissional nas escolas da rede
estadual se traduz hoje em decepção.
Levantamento
feito pelo Terra nas 12 escolas estaduais que oferecem
cursos técnicos na capital gaúcha aponta que cinco delas precisam lidar com a
falta de professores. No curso de Jacobsen, os alunos
ainda não tiveram nenhuma aula no primeiro semestre em quatro disciplinas:
sistema operacional, arquitetura e montagem, banco de dados e redação técnica. `São as cadeiras mais importantes do técnico. Fazemos um
curso de informática sem professor de informática`,
criticou o estudante, que trabalha como autônomo consertando computadores.
Segundo
a direção do Protásio Alves, essas disciplinas têm
uma carga horária semanal de
até cinco períodos (com duração de 50 minutos cada). Sem professor, o colégio
não tem outra alternativa se não mandar os alunos
embora. `Às vezes viemos na escola para ter uma aula.
Quando a matéria que falta professor é depois do recreio, sempre vamos para
casa. Tem dias que nem vale a pena vir`,
disse o colega de Jacobsen, Daniel Pinheiro, também
com 34 anos.
Com
curso profissionalizante do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) na área de arquitetura e
montagem de computadores, ele se ofereceu para ensinar os colegas enquanto a
turma não tem professor, mas a sugestão não foi aprovada pela direção da
escola. `Disseram que não podem liberar o laboratório
de informática para um aluno, precisa ter um responsável`.
Segundo a direção, não há previsão de contratação dos docentes. Com isso, o
curso que teria duração de um ano e meio deve ser prorrogado para, no mínimo,
dois anos.
O
Terra visitou a escola, que atende mais de 2,4 mil alunos
do ensino médio e dos cursos técnicos, na noite da última quinta-feira. Pelos
corredores, os alunos demonstravam indignação com o `descaso` com o curso de
informática. `Quem sabe fazemos um abaixo-assinado, vamos entregar lá na
Secretaria da Educação para ver se tomam uma atitude`, sugeriu Daniel Pinheiro, que é vice-líder
da turma do primeiro semestre e um dos mais revoltados com a situação.
Na
sala da direção, a vice-diretora do turno da noite, Ana Maria de Souza, tentava
administrar a indignação dos alunos com a rotina nada tranquila de uma grande
escola. Além de não contar com professores para o curso técnico, ela ainda
precisa lidar com os docentes que faltam ao trabalho. Naquela quinta-feira de
chuva intensa, um professor de português do ensino médio ligou avisando que
estava doente. Sem um substituto para assumir os cinco períodos, ela mandou um
aluno do primeiro ano, que reclamava da ausência, ficar esperando com os
colegas dentro da sala até a próxima aula. Pouco depois, outra estudante entrou
porta adentro reclamando que a biblioteca estava fechada. A menina foi obrigada
a dar meia volta e deixar para pegar o livro que precisava no dia seguinte, já
que sem uma bibliotecária a sala só é aberta em alguns horários, dois dias na
semana.
`É
difícil, mas eu estou aqui, aceitei assumir a vice-direção,
porque acredito que podemos melhorar`,
disse Ana Maria, professora da rede estadual há 10 anos. Segundo ela, o maior
problema dos cursos de informática é que os profissionais da área não têm
interesse em dar aulas por um salário que não atinge sequer o piso nacional -
no Rio Grande do Sul, um professor com carga horária de 40 horas semanais ganha menos de R$ 1 mil como vencimento básico. `O salário de um mês no magistério eles ganham em um fim de
semana na iniciativa privada. Me diz, quem vai
querer?`.
Para a vice-diretora,
além do salário, outro problema é que o Estado não prioriza o concurso público
para as carreiras técnicas. Os docentes desses cursos são contratados de forma
temporária e acabam permanecendo pouco tempo nas escolas. No Protásio Alves, assim como em outras escolas da rede, o
problema não é recente. Os alunos que começaram o técnico no segundo semestre
do ano passado, ainda não tiveram aulas nas disciplinas de arquitetura e
montagem, sistema operacional e banco de dados. `É
muito complicado porque eles estão com essa lacuna no aprendizado. São
disciplinas que são pré-requisito para as demais`,
diz Ana Maria, sem saber quando será possível concluir o curso.
Aulas nas férias para
compensar a falta de professores
Na
Escola Técnica Parobé, um gigante com 3,7 mil alunos,
a direção só conseguiu professor para a disciplina de construção de estradas no
final do semestre passado. Com isso, os alunos passaram todo o período de
férias tendo aula. `A Secretaria da Educação tem um
banco de dados com professores cadastrados, mas eles chegam aqui (na escola)
sem experiência nessas disciplinas mais específicas. Para dar aula de
construção de estradas, precisa ser alguém que trabalhe com isso. E agora eu
pergunto, um engenheiro que trabalha com isso vai querer dar aula numa escola
pública?`, questiona a diretora, Carmen Angela Straliotto de Andrade.
Neste
momento, a escola está com o quadro de docentes completo, mas Carmen não sabe
até quando a situação continuará tranquila. `A
desistência é muito grande. O professor contratado fica um tempo e sai, aí
recomeça todo o processo em busca de uma nova pessoa`, disse. Segundo ela, as maiores dificuldades
de contratação são nos cursos de edificações, construção de estradas e
eletrônica.
Na
Escola Técnica Professor Ernesto Dornelles, a situação
também é difícil. Os alunos dos cursos de design de interiores e de prótese
dentária estão sem dois professores desde o começo das aulas, em 27 de
fevereiro. Segundo a diretora, Irene Longhi, a
professora de design deve começar as atividades nos próximos dias. Sobre o
professor de prótese dentária, a Secretaria da Educação informou que a
contratação já foi encaminhada.
Mais
uma vez, o problema é a falta de especialistas interessados em dar aulas. `Nas disciplinas regulares, como português e matemática, é
mais fácil porque a gente faz um remanejo entre as escolas. Mas nos cursos
técnicos não tem gente na rede para suprir essas carências`, diz a diretora.
A
falta de professores ainda foi verificada na Escola Técnica José Feijó, na qual
a professora de matemática e estatística precisou tirar licença saúde no começo
no ano letivo por causa de uma gestação de risco e um substituto não foi
encontrado. Segundo a Secretaria da Educação, nenhuma demanda foi apresentada
porque em licenças inferiores a 30 dias a própria
escola deve resolver a falta do docente remanejando professores de outras
disciplinas.
Já
na escola Coronel Emílio Massot, falta um professor
no curso técnico em administração, além de docentes de literatura e espanhol
para as turmas do ensino médio. O Terra não conseguiu
maiores detalhes sobre os problemas na instituição porque a direção se recusou,
após várias tentativas de contato telefônico e até uma visita na escola, a
falar com a reportagem. A Secretaria da Educação não tem conhecimento dos
problemas na instituição.
De 1.603 inscritos no
último concurso, apenas 30 tomaram posse
De
acordo com dados da Secretaria Estadual da Educação, no último concurso do
magistério, feito no ano passado, 1.603 pessoas se
inscreveram para dar aulas em cursos técnicos no Estado, mas apenas 48
foram aprovadas. Dessas, somente 30 tomaram posse, já que cinco não tinham as
habilitações exigidas no edital e 13 desitiram de
assumir o cargo. Um novo concurso vai ser feito este ano com a expectativa de
preencher 480 vagas de educação profissional.
Diretora
de Recursos Humanos da secretaria, Virgínia Nascimento culpa as gestões
anteriores pelas deficiências nas escolas técnicas da rede. `Os dois últimos
governos não fizeram concurso público, por isso temos tanta dificuldade na contratação`, afirmou em
entrevista por telefone. Ela disse que concorda que os contratos temporários
dificultam a permanência dos profissionais nas escolas e acredita que no
concurso deste ano o número de nomeações será maior.
`Tivemos
muita dificuldade no último concurso, as pessoas não acreditavam que o governo
iria nomear tanta gente e não se prepararam, mas agora a situação é diferente`. Sobre os salários não
serem atrativos, ela descarta a criação de um plano de carreira específico para
as escolas técnicas e diz que o governo estadual está trabalhando para cumprir
com o piso nacional, sem fazer alterações no plano de carreira da categoria.
`Não é porque é da área técnica que vai ter salário diferente`, disse.
Sobre
a situação no Colégio Protásio Alves, a diretora
afirmou que as contratações foram encaminhadas e os professores devem chegar à
escola num prazo médio de 14 dias. Enquanto isso não acontece, a Jacobsen e os colegas que viam no curso técnico - e na
ampla demanda do mercado de trabalho por profissionais especializados - uma
oportunidade de mudar de vida, resta lamentar. `Esse
curso abrange uma área muito específica, tem aulas de
redes, linguagem de programação, as oportunidades de emprego são muito boas.
Mas agora, sem aula, não sei como vai ficar`.
Fontes:
Terra Educação - São Paulo,
SP