Agência Carta Maior, 02/10/2004

Programa Brasil Alfabetizado faz um ano ainda sob críticas

Fernanda Sucupira

 

Principal projeto para a educação de jovens e adultos do governo Lula, programa tem sido aperfeiçoado com sugestões da sociedade civil, mas ainda recebe críticas quanto à duração do processo e à formação dos educadores, à falta de recursos e ao desligamento da alfabetização de seu contexto mais amplo.

 

São Paulo - Lançado oficialmente em setembro de 2003 como o principal projeto para a educação de jovens e adultos (EJA) do governo Lula, o programa Brasil Alfabetizado foi aperfeiçoado na gestão do ministro Tarso Genro (Educação), mas completa seu primeiro aniversário ainda na mira de diversas críticas da sociedade civil. Entre elas, destacam-se o caráter restritivo do programa em relação à duração do processo e à formação dos educadores, a falta de recursos, e o desligamento da alfabetização de seu contexto mais amplo.

 

Quando o Brasil Alfabetizado foi lançado, o ex-ministro Cristovam Buarque apresentou uma meta de erradicação do analfabetismo em quatro anos, considerada ambiciosa. "O investimento para essa pretensão ainda está abaixo das expectativas, mas em progressão crescente", avalia Maria Clara. O orçamento para 2004 é de R$ 165 milhões e para o ano que vem devem ser acrescentados R$ 55 milhões. "O passo mais importante agora seria o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) para gerar condições de financiamento mais adequado para uma política de EJA consistente", acredita.

A principal crítica ao programa Brasil Alfabetizado diz respeito ao tempo de duração do processo de alfabetização, cuja restrição preocupa os especialistas. "Na gestão do Cristovam Buarque, o tempo de alfabetização era inicialmente de três meses, depois mudou para quatro, e depois para seis. Ele foi alterado de acordo com a pressão feita pelos Movas (Movimentos de Alfabetização de Jovens e Adultos) e pelos educadores com experiência política e pedagógica em EJA", conta Liana Borges, uma das coordenadoras nacionais da Rede Mova Brasil. Com a mudança de ministro, já em 2004, o tempo foi aumentado para oito meses, mas ainda é considerado insuficiente. Na filosofia do Mova, o tempo de alfabetização é aquele que o educando precisar, seja ele igual, menor ou maior do que o estabelecido pelo programa. O  tempo base do movimento é de dez meses, mas pode se estender caso seja necessário, respeitando o processo político pedagógico de aprendizagem. Já no Brasil Alfabetizado, o tempo é rígido, quando termina, o alfabetizando tem que sair do programa. Outra alteração importante que a mudança no ministério trouxe foi em relação ao diálogo com a sociedade civil organizada. "O programa excluía a relação com a sociedade, o movimento social era descartado. Hoje, o diálogo com os governos municipais e estaduais ainda é priorizado, mas pelo menos existe a possibilidade de diálogo com os movimentos sociais", diz Liana. Os Movas priorizam a parceria com movimentos sociais para a organização e fortalecimento deles, como um processo de alfabetização deles como movimento. Um problema grave na política de EJA do atual governo é a dissociação entre a alfabetização e a continuidade da educação. "Para consolidar as aprendizagens, precisa muito mais do que a alfabetização oferecida nesses programas de curta duração", defende Maria Clara. Ela considera que há muita ênfase ao Brasil Alfabetizado, mas afirma que o MEC está começando a buscar uma melhor articulação entre alfabetização e EJA. No Mova, a alfabetização está automaticamente ligada à continuidade, depois dela há classes de educação de jovens e adultos, que atualmente precisam ser financiadas pelas prefeituras e governos estaduais. Além disso, o movimento prevê a formação sistemática e continuada dos educadores, o que não é possível com os recursos fornecidos pelo programa do governo federal, que garante apenas a formação inicial. Apesar das críticas pontuais, a política de educação de jovens e adultos (EJA) do governo Lula, no conjunto, é considerada um avanço importante em relação ao governo anterior. "Na atual gestão ela é considerada uma prioridade, enquanto, no governo FHC, todo foco ficava no ensino fundamental, por causa do Fundef. Excluída do fundo por meio de um veto presidencial, nesses oito anos, EJA ficou marginalizada", afirma Maria Clara Di Piero coordenadora de projetos da ONG Ação Educativa.

 

Mova - Criado na cidade de São Paulo, em 1989, durante a gestão de Paulo Freire na Secretaria Municipal de Educação, o Mova é uma política pública de educação popular que constrói a leitura e a escrita a partir da realidade dos educandos, por meio de parcerias entre a sociedade civil e administrações populares municipais e estaduais. A idéia é não apenas alfabetizar, mas promover e incentivar a transformação da realidade e participação dos alfabetizandos nos espaços sociais, levando a uma formação completa do ser humano. Baseados nesta experiência, muitos outros Movas foram criados no país. Atualmente, cidades e Estados que contam com o movimento movimento, como Belém, São Paulo e Rio Grande do Sul, por conta do convênio das prefeituras e governos estaduais com o Brasil Alfabetizado, têm que se adaptar ao método estabelecido pelo governo federal. Desde que foi lançado o programa de alfabetização, os integrantes da Rede Mova Brasil ficaram decepcionados com a proposta. "Apesar dos avanços significativos, ainda está aquém daquilo que os Movas esperavam construir com o governo Lula. O Mova Brasil gostaria que a proposta respeitasse o que temos de acúmulo na educação popular e na alfabetização de jovens e adultos. Também nos deixou impactados o fato do Brasil Alfabetizado não se chamar Mova Brasil, como previa o programa de governo. Tarso Genro acompanhou o Mova Porto Alegre e o Mova Rio Grande do Sul, ele sabe o que representa para o campo da educação popular", diz Liana. No programa de governo do presidente Lula a primeira das duas propostas para EJA era "implantar o programa Mova Brasil para erradicar o analfabetismo absoluto de jovens e adultos num prazo de quatro anos envolvendo os diversos segmentos da sociedade civil organizada". Segundo Liana, há desconforto e ansiedade por parte dos Movas ao olhar o programa Brasil Alfabetizado, além de desânimo por não haver canais de diálogo efetivo sobre essa questão. "O MEC ainda precisa ouvir de forma mais sistemática os movimentos populares que têm bastante experiência nessa área para não reproduzir erros históricos. É necessário estreitar o diálogo", defende Liana.