Por uma nova fórmula para o ensino médio

24/10/2011


Mário Boechat As discussões sobre os problemas do nível médio vêm ganhando forma e corpo nas instituições de ensino superior. O debate vem sendo conduzido por especialistas que apontam a necessidade de se criar uma nova fórmula para atrair os estudantes e diminuir a evasão. São propostas soluções para a melhoria da qualidade da aprendizagem, que estão a cargo, em sua maioria, por escolas da rede estadual. No dia 13, a Universidade Federal Fluminense (UFF) realizou o evento "Os jovens e o Ensino Médio". A temática foi pensada com o intuito de que os palestrantes pudessem expor ideias sobre a estrutura e a expansão das matrículas. Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ) e ex-diretor de concepções e orientações curriculares do Ministério da Educação (MEC), Carlos Artexes revelou que o número de pessoas que se matriculam no ensino médio é maior do que o de concluintes do nível fundamental. Essa perspectiva é explicada pela latente necessidade de mão de obra qualificada exigida pelo mercado de trabalho nacional, que, de certa forma, obriga os indivíduos a voltaram a frequentar as escolas para finalizar o nível médio.

No entanto, segundo Artexes, o problema está, de fato, no quantitativo de pessoas que chegam a adquirir o diploma. Dos cerca de 8 milhões de estudantes matriculados nas escolas de ensino médio, apenas 50% concluem essa escolaridade. "Isso significa que nós, na verdade, perdemos metade dos alunos no processo. Também acontece nas universidades de uma forma muito mais significativa, mas o ensino médio é um momento decisivo. O aluno se matricula e tem a dificuldade de continuar. Tem problemas, também, para concretizar a aprendizagem que é necessária obter no ensino médio", explica.

Evolução das matrículas não foi acompanhada por qualidade - O crescimento do número de matrículas neste segmento educacional não foi acompanhado pela modernização das escolas e, principalmente, do projeto pedagógico. Escassez de novas ideias e propostas deixam o modelo obsoleto. E quem mais sofre são os estudantes. "A nossa visão é que o jovem tem tido uma desmotivação com a proposta pedagógica que está sendo oferecida a ele. Há um grupo que faz um esforço extraordinário, mas há uma resistência e um sinal de que a escola precisa ser repensada. Não basta ter dinheiro e as condições favoráveis se não tivermos uma proposição que dialogue com os sujeitos que ali estão. E esses indivíduos têm características, singularidades, que precisamos cada vez mais compreender", destaca Artexes. Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geraldo Leão acredita que haja falta de interesse dos jovens com o ensino médio. Esse descaso tem muito a ver com a incompatibilidade das experiências vividas por eles fora do ambiente escolar com o aprendizado ministrado nas aulas. "Há uma dificuldade muito grande de os alunos se constituírem como alunos. Os jovens chegam hoje com uma série de experiências que extrapolam o mundo da escola, muito mais interessantes do que a instituição apresenta. Temos uma escola muito pobre para o que o aluno vivencia", avalia o docente. Geraldo Leão acrescenta, ainda, que grande parte dos jovens ingressa no mercado de trabalho muito cedo e a gama de informações adquirida possibilita construir mais laços e relações, pessoais e profissionais. "Há uma série de coisas que eles vão conseguindo com a inserção no mundo do trabalho. Há também uma grande dificuldade de conciliar isso com a vida na escola. Os jovens até topariam aliar educação e trabalho se a escola fosse muito mais interessante nesse ponto de vista, e muito mais flexível com relação a essa experiência deles", complementa.

Desafio: ensinar menos e com maior qualidade - O currículo proposto para o nível médio é extenso, com pelo menos oito disciplinas obrigatórias. Nos últimos anos, foi incorporado ao ensino médio Filosofia e Sociologia. Carlos Artexes garante que esses conteúdos são importantes. O problema, segundo ele, é o método de aprendizagem. "O Brasil poderia ensinar menos com mais qualidade, e o aluno sairia muito melhor preparado. Menos não no sentido de menor formação. Ele seria melhor formado, porém não podemos querer exigir uma quantidade extraordinária de conteúdos, que podem ser dados com métodos diferentes e organização do espaço e tempo na escola. Hoje, há uma briga de espaço de carga horária. O Brasil tem que superar isso. É preciso delimitar que o conteúdo fundamental a ser adquirido está ligado a um processo de formação mais amplo, nessa faixa etária e para essa etapa da educação básica", critica o professor. Já Geraldo Leão acredita que a extensão do currículo interfere no aprendizado principalmente dos jovens que não têm condições de lidar com essa quantidade de conteúdo. "À medida em que caminhamos em um nível de ensino, ele vai se tornando cada vez mais distante das experiências concretas que as pessoas vivenciam e passa a se diversificar e se fragmentar muito mais. Para o jovem que tem uma série de limitações e dificuldades na vida, isso se torna muito difícil, pois ele não tem tempo de lidar com tudo isso. Muito mais do que somente a quantidade e a diversificação, é o tipo de abordagem. É o modo com o qual nos relacionamos e a perspectiva de conhecimento que trabalhamos. Utilizamos uma lógica transmissiva, de decoreba, que não permite que esse jovem se aproprie dessa proposta curricular", acrescenta o especialista.

Ensino profissionalizante não é a única alternativa - A necessidade de criar modelos e propostas pedagógicas que contemplem mais o desejo dos estudantes, com todas as suas peculiaridade, passa diretamente pela melhoria da qualidade da aprendizagem. Nessa perspectiva, a implementação do ensino  profissionalizante ou técnico surge como uma alternativa para aumentar o interesse dos jovens pelo nível médio. No entanto, especialistas não apontam essa hipótese como a saída para resolução de todos os problemas.

Para Carlos Artexes, essa não pode ser a solução para o ensino médio brasileiro. Segundo ele, independente de profissionalizar ou não, é fundamental que se crie condições para que esse jovem não precise trabalhar cedo e possa garantir seus estudos. "É um período fundamental para que o trabalho tenha relevância. Eles precisam conhecer o mundo do trabalho, a tecnologia, que não são conhecimentos subjetivos. Há uma objetivação no conhecimento central, hoje, para esses jovens, que precisa ser garantido no ensino médio, independente da profissionalização, que é uma exigência de uma desigualdade social extraordinária, na qual as pessoas precisam trabalhar para sobreviver. Mas isso não será para sempre. É preciso construir uma sociedade que não ache necessidade de os jovens se profissionalizarem cedo." Geraldo Leão defende a tese de que é preciso que a escola de ensino médio ofereça possibilidades para uma sociedade que também disponibiliza a esse jovem múltiplas possibilidades de escolha. "Em uma sociedade tão diversificada, necessitamos de uma escola que seja capaz de oferecer a esse jovem orientações, acesso a informações e suporte para que ele consiga, progressivamente, construir suas escolhas. Nesse sentido, o nível técnico e profissional é uma alternativa, mas não pode ser a panaceia para salvar o ensino médio", avalia.

Recentemente, o Ministério da Educação criou o programa Ensino Médio Inovador, cujo objetivo é criar uma forma de incentivar as redes estaduais de educação a desenvolver iniciativas inovadoras para o ensino médio. Segundo o MEC, é necessário pensar novas soluções que diversifiquem os currículos com atividades integradoras, a partir dos eixos trabalho, ciência, tecnologia e cultura, para melhorar a qualidade da educação oferecida nessa fase de ensino e torná-la mais atraente. "Acho uma iniciativa louvável. O programa aponta na perspectiva da flexibilização do currículo, de criar diferentes trajetórias de acordo com a perspectiva dos jovens, com a construção dos seus projetos, além de dar um suporte ao professor e à escola. Ele oferece uma condição docente melhor ao possibilitar que o professor fique 40 horas na escola. O problema é o baixo impacto do programa. Ele ainda está restrito a um número limitado de escolas. Temos que pensar em como ampliar e como as redes estaduais podem constituir políticas de universalização de propostas de flexibilização curricular. Nessa perspectiva, vejo com bons olhos", destaca Geraldo Leão, que acrescenta. "Se houver mais investimentos no ensino médio, é possível implementar esse projeto em todo o Brasil. Depende um pouco de vontade política de cada estado."

 

Folha Dirigida - Rio de Janeiro RJ