PEREIRA, Anderson de Carvalho. Letramento, esquecimento e alteridade : o processo de reificação da escrita. 2005. 205 p. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo

 

 Orientador: Leda Verdiani Tfouni

 

 Local: Ribeirão Preto/SP

 

 Link: http://dedalus.usp.br:4500/ALEPH/POR/USP/USP/TES/FULL/1478853?

 

 Assunto:

1. Letramento

2. Escrita

3. Psicolingüística

 

 Resumo:

 

Existem, no discurso científico, múltiplas concepções acerca do oral e da escrita, o que configura uma heterogeneidade enunciativa, em concordância com Authier. Fundamentando-nos no paradigma indiciário, segundo Ginzburg, e ao qual filiam-se as bases teóricas deste trabalho -Análise do Discurso francesa (AD), a Psicanálise lacaniana e a teoria do letramento de Tfouni - entendemos que essa heterogeneidade se encaixa numa generalidade, que aponta particularidades diversas. A associação da escrita ao desenvolvimento cognitivo e intelectual e ao progresso social muito tem contribuído para uma desvalorização das produções orais. Para mostrar o avesso dessas concepções, Tfouni formaliza o conceito de letramento, entendido como processo sócio-histórico. Essa proposta de letramento aposta na interpenetração de oralidade e escrita, e elege a noção de autoria como eixo para diferenciargraus de letramento, entendidos como desnivelamentos entre as diversas posições discursivas dos sujeitos letrados, alfabetizados ou não. O fundamento dessa teoria está na noção de inconsciente trazida por Lacan, que relaciona-se com o desejo, e no conceito de ideologia, tal qual é considerado pela AD. De volta às particularidades, temos o efeito de dominância de Um enunciado da escrita, que, nas condições de produção do discurso científico, é alimentado pela forma do sujeito da ciência (Henry), pela determinação do sujeito jurídico (Haroche) e pelo efeito de récurrence (Fichant). A partir da análise do corpus formado pelas teorias sobre o oral e a escrita, entendemos que esse efeito de dominância se faz presente em formações discursivas "mais letradas", como o discurso científico, pela tentativa delas em fazerem uso da escrita pelo recalcamento da oralidade. Mesmo com esse efeito de dominância, nosso objetivo foi mostrar rupturas, possíveis pela própria heterogeneidade discursiva (alteridade), que se antepõe a esta tentativa do Um da escrita. Essas rupturas se apresentam nas diversas práticas letradas, como mostramos em nossa análise, a qual privilegiou dois "corpora": o próprio discurso científico, adotado pelas diversas teorias do letramento, e a análise de dez narrativas orais contadas por uma mulher não-alfabetizada. Mostramos, através dessa análise, que existem indícios de posição-autor nessas narrativas. Essa posição decorre de gestos do narrador que resultam em uma unidade textual. A análise detectou também tanto marcas da interpelação ideológica sustentada por (Um) efeito de dominância da escrita, quanto efeitos de ruptura, que decorrem da perda de controle dos mecanismos discursivos que garantem a unidade do texto. Podemos afirmar que a análise das referidas narrativas orais mostra o sujeito, que entre a deriva frente ao enunciado dominante da escrita e a dispersão da oralidade, emerge de outro lugar, da posição de autor, e rompe com tal efeito de dominância da escrita. Essa análise do corpus permitiu argumentar sobre o processo de reificação da escrita, como um dos mecanismos discursivos, pelos quais a escrita se mostra como "arma simbólica" e que lhe permite se portar como objeto, como se ela pudesse perpassar de forma ilesa e neutra os falantes da língua. Concluindo, afirmamos que o processo de reificação da escrita, que faz dela uma "arma simbólica", solidifica-se pelo recalcamento da oralidade. Essa oralidade tão presente em atividades cotidianas de linguagem, quando recalcada pela escrita, permite que essa se mostre de forma disfarçada, como se pudesse negar a incompletude da linguagem. Um caminho para romper com o efeito de dominância da escrita, que a torna mais excludente, é considerar a oralidade que a constitui.