O Liberal, 28/08/2006 - Belém PA

O Enem e a autocrítica

Editorial

 

Aproximadamente 4 milhões de estudantes estão inscritos para se submeter, hoje, ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), instituído em 2005 e que se apresenta à sociedade com dois concretos objetivos: acesso à universidade e avaliação do ensino médio. Esses objetivos se refizeram durante esse período, por marcar política e pedagogicamente a situação do ensino médio brasileiro. O primeiro objetivo diz respeito a mais uma alternativa de acesso aos cursos superiores, fugindo, evidentemente, ao desgastante e estressante concurso vestibular, massificado e conflituoso por ter no poder econômico o diferencial de preparação intelectual dos candidatos, o que significava e ainda significa o fator de discriminação entre pobres e ricos com que se rotulam os estudantes da rede pública e particular.

 

A reserva de cotas para contemplar estudantes da rede pública ilustra o mencionado objetivo, assim como abre espaços políticos e oportunidades escolares para que o estudante dessa rede tenha mais condições de disputar uma vaga numa universidade. Aqui não vale o argumento de que os testes do Enem são mais fáceis, ao se comparar com as questões dos vestibulares tradicionais e convencionais que também, nos últimos anos, modificaram seus estilos de obter respostas aos conhecimentos adquiridos.

 

A cobrança desses conhecimentos ressalta as inovações do Enem. São 63 questões de múltipla escolha e uma redação sobre temas sociais, como liberdade de expressão, violência, trabalho infantil, o que já denota o aproveitamento de problemas do cotidiano a serem estudados e refletidos em sala de aula, abrindo espaço escolar para os chamados temas transversais que exigem a informação e o conhecimento do que se passa no mundo. Os testes de múltipla escolha se caracterizam pela interdisciplinaridade dos conteúdos de história, geografia e matemática, de acordo com as competências requeridas pelo Enem que exigem dos candidatos o domínio da Língua Portuguesa e das linguagens matemática, artística e científica, da capacidade de selecionar e interpretar informações, da aplicação dos conhecimentos no cotidiano social, de relacionar informações para compreender ou julgar fatos.

 

De uma forma ou de outra, divergências e controvérsias não tiram a importância do Enem por ser um instrumento de avaliação do ensino médio que compreende analisar a atuação dos professores, dos alunos, dos diretores, dos técnicos e funcionários, sem deixar de lado a participação da família. Isso represeta avaliar os objetivos da educação básica - da creche ao ensino médio - em função do mercado de trabalho, da cidadania e de outros objetivos previstos na própria constituição. Por não atender referidos objetivos, o ensino médio sofre as conseqüências da cultura do diploma que atormenta a vida dos brasileiros, porque o ensino médio não forma nem profissionais nem prepara os alunos para prosseguir seus estudos superiores. É o dilema que marca o ensino médio no Brasil em que pesem alternativas, opções e propostas já testadas, mas que não correspondem à realidade do País, agora sacudida pela velocidade do conhecimento e da globalização da economia.

 

Para estudantes e professores, o Enem, da mesma forma que os vestibulares tradicionais, os concursos públicos e os exames de ordens, representam valiosos momentos de crítica e de autocrítica, de auto-avaliação permanente, de educação continuada, de atualização científica e cultural, daí a leitura de jornais e revistas e de tantas outras vias de informação que deveriam arejar o cotidiano em função de uma educação crítica e libertadora. Registre-se que a escola e a família já não têm a exclusividade da educação, porque o estudante também se forma ou não no espaço público da cidade.