O Estado de São Paulo, 02/09/2003 - São Paulo SP

O objetivo do Enem

Editorial

 

Para o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Luiz Araújo, a única importância do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), hoje, para o aluno, é este poder aproveitar a nota nos processos seletivos das universidades. Para o presidente do órgão responsável pela elaboração e aplicação do Enem, o teste deve acabar porque "não ajuda os mais pobres a ingressar na universidade pública".

 

Ocorre que, desde a sua primeira aplicação, em 1998, o objetivo do Enem não foi avaliar a escolaridade anterior para classificar candidatos ao ensino superior, objetivo explícito, por exemplo, do baccalauréat na França, do maturità na Itália ou do abitur na Alemanha. O objetivo do Enem é bem diferente: "verificar se o aluno consegue solucionar problemas para continuar evoluindo". A forma como o teste é aplicado não apura se o aluno é capaz de reproduzir o que aprendeu na sala de aula - objetivo básico de um vestibular. O Enem mede competências e habilidades para atender a exigências da vida moderna.

 

Experiência de vida e amadurecimento pessoal contam tanto quanto a assimilação do currículo escolar, objetivo mantido, inclusive, na versão aplicada no último domingo a 1,85 milhão de alunos. Basta observar a rápida multiplicação de inscritos no exame - e o perfil deles - para perceber que, ao contrário do que pensa o presidente do Inep, os jovens carentes entenderam muito bem o "sentido" desse teste. Em 1998, o Enem avaliou 115 mil alunos. Em 1999 e 2000, 315 mil e 352 mil estudantes fizeram o exame. Em 2001, quando a inscrição se tornou gratuita para alunos do ensino público e carentes, 1,2 milhão participaram do Enem. Em 2002 foram 1,3 milhão de inscritos e neste ano mais de 1,8 milhão. Pelo fato de não ser necessário um "repertório de informações" para resolver as questões, o teste é procurado pelos jovens mais carentes, interessados em receber algum tipo de certificação aceita pelo mercado de trabalho. Raciocínio lógico, capacidade de leitura e, principalmente, atenção são requisitos essenciais para resolver os testes e não o preparo intensivo, a decoração de fórmulas ou de qualquer técnica de memorização. É verdade que parte considerável da imprensa aderiu à interpretação do presidente do Enem quanto ao sentido do teste e o vinculou ao vestibular, sem prestar atenção à aritmética. Por exemplo, no Estado de São Paulo            prestaram o Enem 550 mil pessoas. No vestibular da USP inscrevem-se no máximo 140 mil alunos. Na Unicamp, em torno de 30 mil e na Unesp, 40 mil, quase todos integrantes do mesmo universo que se inscreve na USP. Ora, o que faziam no Enem os cerca de 400 mil jovens que não se inscrevem no vestibular das universidades estaduais? As grandes universidades aderiram ao Enem por razões diversas, inclusive para ajudar a consolidar o exame. Isto não significa que o sentido do Enem foi modificado. Muito ao contrário. Para o jovem que sequer sonha com a universidade de elite, o resultado do Enem funciona como uma "chancela" de órgão público - a única disponível - para referendar seu currículo na disputa no mercado de trabalho. É uma certificação. Nada mais. Pelos desvios da tradição "bacharelesca" da educação brasileira, o vestibular se aproximou do Enem e não o contrário. O pior é que os que pregam a "inclusão social" pela Educação agora querem acabar com o Enem porque ele "não ajuda os pobres". Será preciso informar às facções radicais que ocupam postos no MEC que a proposta do Enem é anterior ao "governo passado" e apenas foi posta em prática por ele.