O Senai na mira do governo
"É um risco trocar um operador historicamente bem-sucedido pela
ingerência de outro com folha corrida muito mais incerta. Arriscamo-nos a
passar de cavalo para burro"
Claudio de Moura Castro
Revista Veja, Edição 2067
Depois de
conhecerem o Senai
Afirma-se que o "Sistema S" não deveria cobrar dos técnicos (o que ocorre em alguns estados), e sim oferecer-lhes ensino gratuito, uma vez que recebe verbas públicas. Esse argumento é tolo. Justificadamente, para poder oferecer mais cursos, o sistema passou a cobrar das empresas e de alunos capazes de pagar. Mas usa todo o tributo compulsório para oferecer cursos gratuitos ou subsidiados a 1,1 milhão de operários. Comprometidos os recursos, não há como oferecer mais gratuidade. Para cada técnico dispensado de cobrança seria necessário tirar vários operários do sistema.
Um argumento politicamente explosivo é o de que as federações surripiam recursos do Senai, permitindo-se mordomias espantosas. Tal promiscuidade é injustificável. Felizmente, os gastos do Senai são rotineiramente examinados pelo Tribunal de Contas da União e pelos órgãos estaduais correspondentes. Como nos últimos cinco anos não foram impugnados vazamentos para federações, se eles existem, a falha é dos tribunais. A guerra dos números ainda não tem vencedores. O Senai é acusado pelo MEC de ser mais caro (por aluno/hora) que os técnicos e universidades federais. Dados do Senai revelam equívocos nas estimativas do MEC que, quando corrigidos, mostram o Senai menos caro, mesmo sem incluir os aposentados do MEC (que, para economistas, são um custo inalienável). Ainda assim, o Senai ofereceu no ano passado 100 000 atendimentos às empresas, faz pesquisa aplicada, patenteia e mantém equipamentos de última geração em suas escolas.
O MEC propõe criar um fundo com o orçamento do "Sistema S" para ser distribuído de acordo com os méritos de cada curso, medidos por testes que vai preparar. Na teoria, parece interessante (aliás, por que o governo não aplica o sistema antes em suas próprias universidades e com seus próprios técnicos e tecnólogos? Ou no FAT?). Na prática, há cursos profissionalizantes para centenas de ocupações, cada um podendo ser oferecido em diversos níveis. Não há como o MEC realizar 2 milhões de testes profissionais em oficinas, sobretudo porque jamais fez algum. Tampouco o Ministério do Trabalho conseguiu fazer certificação ocupacional, depois de trombetear suas intenções por décadas. Por outro lado, a prática consagrada internacionalmente é avaliar os cursos pela empregabilidade efetiva dos graduados e pelo desempenho nos empregos. Sob tais critérios, o "Sistema S" mostra bons resultados. Mas isso jamais foi praticado pelo MEC, que desconhece o destino dos graduados de suas escolas técnicas e universidades.
Obviamente, o "Sistema S" tem falhas que precisam ser impiedosamente cobradas. O Senai e o Senac acumularam uma sólida reputação, mas são teimosos como mulas e respondem lentamente. O Sebrae é criativo, mas com altos e baixos. Como o Sesi e o Sesc não oferecem formação profissional, para alguns são uma relíquia do papel paternalista dos empresários no Estado Novo. Por que, por exemplo, seus orçamentos são superiores aos do Senai e do Senac? É um risco trocar um operador historicamente bem-sucedido pela ingerência de outro com folha corrida muito mais incerta. Arriscamo-nos a passar de cavalo para burro. Mas, se as ameaças servirem para corrigir as falhas do "Sistema S", não terão sido em vão.