O
ranking do Enem é sinônimo de qualidade?
13/09/2011
Na hora de escolher uma escola
para matricular o filho, vários quesitos podem ser verificados pelos
pais, como qualificação do corpo docente, infraestrutura de ensino, projeto
pedagógico, etc. O problema é que, na maior parte deles, vale a impressão que o
responsável tem sobre cada um destes aspectos e, em geral, não é possível ter
uma base mais ampla de comparação. Nos últimos anos, porém, pelo menos um
indicador tem possibilitado um critério mais objetivo às famílias na hora de
escolher a instituição de ensino. A partir do momento em que o MEC passou a
divulgar as médias, por escola, do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), é
possível ter não só uma noção sobre o nível de conhecimentos com os quais o
estudante sai ao final da Educação Básica mas,
principalmente, estabelecer uma comparação entre todos os colégios do país,
tanto do setor público como do privado.
Sem dúvida, uma tentação que facilita e muito a
tarefa dos pais de definir onde os filhos irão estudar. Mas, até que ponto as
médias do Enem são garantia de que uma escola é realmente de qualidade? No caso
das primeiras colocadas no ranking, como o Colégio de São Bento, o melhor do
país, ou do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-Uerj), é inquestionável o padrão de excelência
instituído ao longo dos anos. Porém, e quando a
instituição tem uma nota apenas pouco maior que a média? Isto necessariamente
significa que ela possui um padrão qualitativo acima do que o cenário educacional
oferece? O próprio MEC faz algumas ressalvas a quem deseje usar o resultado do
Enem como parâmetro para diferenciar as instituições de ensino do ponto de
vista qualitativo. Em nota oficial, é destacado que a divulgação "das
médias do Enem por escola tem se revelado como importante elemento de
mobilização em favor da melhoria da qualidade do ensino, auxiliando
professores, diretores e demais dirigentes educacionais na reflexão crítica
sobre o processo educacional desenvolvido no âmbito da escola." Porém, no
mesmo texto, é enfatizado que a utilização dos resultados deve ser considerada
com cautela, diante do caráter voluntário do exame. O ministério chama a
atenção, ainda, para o fato de que, muitas vezes, a taxa de participação é
pequena, o que torna o resultado pouco representativo da situação da escola.
Além disso, como a participação na prova é voluntária, o resultado pode não
revelar a realidade da instituição, mesmo quando o índice dos que participaram
é alto. Entre educadores, é comum ver
este ponto de vista. Ou seja, não dá para ignorar que o Enem traz uma
informação importante sobre o trabalho que é realizado na instituição de
ensino. Porém, é importante ver o resultado da avaliação com alguma reserva.
Para Mirian Paura, professora do Departamento de Pós-Graduação da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é importante que
os pais tenham a exata noção do que é o Enem antes de tomarem esta decisão. Ela
ressalta que a prova nacional serve como referência, mas há outros aspectos
importantes a serem levados em conta. "Os problemas evidenciados pelo Enem
não são somente relativos ao mau desempenho dos alunos. Dizem respeito também
às escolas, professores e, principalmente, aos projetos político pedagógicos
das escolas. O Enem nos possibilita um retrato da realidade educacional",
destaca a educadora. Para a especialista, um dos pontos ao qual é importante
que os pais tenham atenção é a proposta da escola e, principalmente, de que
forma a instituição trabalha para que ela seja cumprida. "Os pais devem
cobrar da escola um projeto. Me parece que isto
acontece quando existe a possibilidade de colocar o aluno em uma instituição
particular. Na rede pública, praticamente, o aluno é escolhido para um
determinado colégio, em geral, por morar próximo a ele. Os pais deviam cobrar
mais das direções das escolas a implementação dos projetos pedagógicos",
destacou a professora da Uerj.
Quem também não vê problemas em usar o Enem como
referência de qualidade é a professora Eunice Barbara Nogueira, mestre em Psicopedagogia
pela Universidade de Havana, em Cuba, e bacharel em Letras pela UFRJ. Porém,
ela salienta que é importante que os pais busquem participar do cotidiano da
instituição de ensino, qualquer que tenha sido a sua escolha. "A
participação do pais também é muito importante. Vou
falar da realidade da rede pública. E, infelizmente, os responsáveis não
participam. Poucos vão à escola. Geralmente, os pais que estão presentes, que
comparecem mais, são os dos melhores alunos", comentou a educadora, coordenadora
pedagógica do C.E. Angenor de Oliveira Cartola, que fica na penitenciária
industrial Esmeraldino Bandeira, no Complexo de Bangu.
Um abismo entre as redes pública e
privada - Na avaliação geral, as notas do Enem aumentaram em relação a
2009. Enquanto a média geral, no ano passado, foi de 501,58 pontos, a deste ano
foi de 511,21 pontos, em ambos os casos, na prova objetiva. Pela primeira vez,
segundo o MEC, foi possível comparar os resultados de um ano para outro, por
causa da utilização da Teoria da Resposta ao Item, como parâmetro de avaliação.
Menos do que resultados individuais, o retrato do Enem se destaca pela
confirmação do cenário desigual da educação brasileira como um todo. A
divulgação das médias por escola mostrou novamente o abismo que separa as
instituições públicas das privadas, no país. Das 20 melhores escolas do país,
18 são privadas e duas públicas, porém, federais (ligadas a universidades).
Quando tratam-se das 20 piores, todas são públicas.
Entre as mil escolas com piores médias, 995 são mantidas pelo poder público
enquanto cinco são particulares. Na opinião da professora Eunice Barbara
Nogueira, o fato de haver uma pressão maior das famílias em torno das
instituições particulares, pelo fato de pagarem pelas escolas dos filhos, gera
um contexto em que as escolas precisam buscar meios de melhorar constantemente
a qualidade. E isto se reflete em um quadro geral como o apresentado pelo Enem.
"Se existe uma escola que atua como empresa e
onde a permanência do aluno, seu cliente, depende do trabalho que ela realiza, obviamente esta instituição irá buscar maior
aprimoramento e qualidade. Um quadro que é bem diferente do que existia, até
então, na rede pública", avalia a educadora, que está otimista com uma
melhora nos próximos anos, em especial no caso do Rio de Janeiro. "Agora é
que entramos no caminho que acredito ser o mais certo. Trabalhando com a busca
por resultados, esperamos que os pais e familiares estejam
mais presentes e cobrem mais do que antes." Para a professora Mirian
Paura, um dos aspectos que podem explicar a distância que ainda existe entre os
ensinos público e privado, além da falta de ações que valorizem a escola e os
professores por parte das autoridades públicas, é a forma como cada instituição
organiza seu trabalho educacional. "As escolas particulares, em sua
maioria, têm projeto político-pedagógico e, em cima dele, desenvolvem trabalhos
e competências que favoreçam os alunos, mas também promovam os professores. Em
segundo lugar, há uma cumplicidade entre professores e alunos com a escola em
que estudam ou trabalham. E isso desenvolve cada vez mais o desejo de estudar e
de melhorar os resultados", completa a professora da Uerj.
A excelência particular do São Bento
O resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
do ano passado, divulgado nesta segunda-feira, dia 12, pelo Ministério da
Educação, registrou como destaque as escolas do Rio de Janeiro. Em primeiro
lugar geral, figura o tradicional Colégio de São Bento, que alcançou média de
761 pontos e retomou a posição de 2009. Já a primeira instituição pública do
Estado foi o Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAp-Uerj), que repetiu a colocação do ano anterior - 12º
lugar no Rio, e 27º no ranking nacional. No entanto, não é apenas a nota no
exame que marca a qualidade dessas escolas. A proposta pedagógica é um
diferencial no que tange ao ensino e à aprendizagem dos estudantes. O Colégio
de São Bento, por exemplo, só aceita rapazes em seu quadro discente, com aulas
em período integral, o dobro de horas do mínimo estipulado pelo MEC. O corpo
docente é de grande qualidade, mas sem a exigência de pós-graduação ou
mestrado. Além dos professor, a instituição conta com
o auxílio de profissionais como auxiliares de ensino, psicólogos, pedagogos e
orientadores educacionais, para dar suporte e fazer todo um acompanhamento
junto aos estudantes. A estrutura também deve ser ressaltada, com três
bibliotecas com grande acervo e ainda assinatura de mais de 100 periódicos para
deixar os alunos sempre atualizados, além de laboratórios utilizados em
diversas disciplinas.
"A nossa receita é muita dedicação dos
estudantes, ter os professores bastante empenhados, uma cobrança que não deixa
o aluno perder o ritmo dos estudos e o
aprofundamento do conhecimento, além de muita leitura e produção de textos. São
algumas práticas que procuramos aperfeiçoar, mantendo a atualização do que é
mais importante, com notícias bastante recentes. O Enem, como avaliação, passa
muito por essa característica", revela a supervisora pedagógica do Colégio
de São Bento, Maria Elisa Penna Firme. A preocupação com o estudante vai além
dos muros da escola. Há a necessidade de verificar como ele está utilizando as
informações adquiridas em sala de aula, introduzindo, além do conhecimento acadêmica, formação moral, ética e de
convivência, com avaliações constantes, que exige do aluno uma rigidez nos
estudos. "Temos um currículo com algum diferencial, com cultura clássica,
história da arte, apreciação musical e três línguas estrangeiras. Sempre acompanha
todas as disciplinas muita leitura. Esse modelo de currículo, com a exigência
de não focar na quantidade, mas também na qualidade do conhecimento, faz com
que o aluno esteja sempre em ritmo de estudo", garante Maria Elisa.
Na esfera pública, o exemplo do CAp-Uerj
- A primeira colocação entre as escolas públicas do Rio de Janeiro só vem
reconhecer o trabalho que é feito no CAp-Uerj. Toda a engrenagem que faz a
instituição funcionar, que passa pela direção, equipe pedagógica, professores,
funcionários, alunos e pais, é merecedora desse resultado. Contudo, o diretor
do Colégio de Aplicação da Uerj, Miguel Mathias,
afirma não gostar do sistema de ranking feito pelo MEC a partir do Enem,
pelo fato de não serem levadas em conta diversas variáveis do ensino. "Ficamos
contentes, é um reconhecimento do trabalho que é feito, mas sempre fazemos
ressalvas a esse tipo de destaque baseado em ranking, pois não é esse,
efetivamente, o nosso objetivo. Tampouco é esse o elemento que estabelece, pura
e simplesmente, a qualidade do trabalho. É muito difícil elaborar um ranking e
comparar realidades muito diversas. Mas estar em um bloco com determinado
percentual de acertos, uma determinada faixa de médias alcançadas, serve como
parâmetro de qualidade. O resto todo é mais midiático do que exatamente
importante para nós", garante Mathias.
O currículo é diferenciado e diversificado, sem
trabalhar com perfil único do corpo discente. O diretor do CAp-Uerj
destaca o compromisso constante com a educação de qualidade para todos, sem
diferenciação ou buscando qualquer diferenciação cultural, econômica e social
que o aluno tenha na bagagem. Miguel Mathias explica que o vestibular é o
resultado de todo um processo. "Os alunos que prestam Enem na escola,
minimamente, estão conosco desde o 6° ano do ensino fundamental. É um trabalho
pedagógico que foi realizado na instituição e que tem objetivos, linhas de
procedimento estabelecidas. E entendemos que esse percurso que é feito a cada
ano vai culminar, no terceiro ano, com o envolvimento do estudante - que está
em grande parte voltado para esse processo de vestibular -, no sentido de se
dedicar aos estudos que são necessários para se superar nessa grande
concorrência."
Folha Dirigida
Renato Deccache / Mário Boechat