A Gazeta, 21/10/2003 - Vitória ES

O preço do analfabetismo

Silo Meireles

 

O Ministério da Educação repete exaustivamente que necessita de mais recursos, mas não parece muito preocupado com a aplicação eficaz daqueles que já mobiliza. As recomendações feitas aos alfabetizadores brasileiros estão na origem do problema. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados e publicados pelo MEC, são muito claros quando se referem ao ensino da leitura e da escrita. Afirmam, sem constrangimentos, que se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e a interpretar textos, não se deve considerar como unidade de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase, que, isoladas, têm muito pouco a ver com a competência discursiva, que está em jogo. Propõem que o analfabeto seja o sujeito do seu aprendizado. A prática vem mostrando, há algum tempo, que a esmagadora maioria das crianças não aprende a ler dessa forma, mesmo depois de freqüentar durante vários anos a escola. A manifesta ineficácia da proposta foi então contornada    por alguns sofisticados e discutíveis mecanismos de estímulo ao fluxo escolar – promoções continuadas, ciclos pedagógicos e classes de aceleração – que conseguiram apenas manter estável a oferta de vagas nas séries iniciais do ensino fundamental.

 

A mídia nos mostra com detalhes o fracasso da nossa alfabetização, nas escolas públicas e na maior parte dos vários programas criados para ensinar jovens e adultos a ler. O Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), a Unesco e o Instituto Paulo Montenegro afirmam que o nosso analfabetismo literal e funcional, em todas as faixas etárias, chegou a níveis insustentáveis. O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do MEC, publicou, em abril deste ano, estatísticas dando conta de que 33 milhões de alunos formalmente alfabetizados são           completamente analfabetos e que 59% dos que estão cursando regularmente a 4ª série das escolas públicas de todo o país não são capazes de ler e escrever adequadamente. A excentricidade da nossa alfabetização fica evidente quando sabemos como as crianças aprendem a ler em Cuba, França, Canadá, Chile, Bélgica, Finlândia, Israel, Portugal, Inglaterra, Irlanda, Escócia, Estados Unidos, Espanha, Itália, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Noruega e outros gigantes da educação fundamental. Educadores, pedagogos, pesquisadores e muitos governos desses países fazem recomendações muito parecidas. Afirmam, sem constrangimentos, que o mais importante é evitar que o aluno fracasse. É cada dia mais difícil encontrar um aluno que saiba ler e um alfabetizador que saiba ensinar a ler numa escola pública. Mas parece que é cada dia mais fácil convencer a sociedade de que é preciso continuar pagando o preço do analfabetismo.

 

SILO MEIRELES é engenheiro industrial com extensão na Universidade de Paris e pesquisador independente