O desafio de pensar: Filosofia e a Sociologia no ensino médio

Folha Dirigida, 05/06/2008 - Rio de Janeiro RJ

Andréa Antunes

 

Após 37 anos, Sociologia e Filosofia voltam à grade curricular obrigatória do ensino médio de escolas públicas e privadas de todo o país. A previsão é de que isso aconteça a partir de 2009, já que a lei que obriga a inclusão das matérias foi sancionada no último dia 2. Professores e profissionais que atuam nestas áreas comemoram a aprovação da medida e afirmam que agora o desafio é definir como as disciplinas devem ser trabalhadas ao longo desses três anos de ensino. "Elas devem representar uma alternativa na forma de pensar, que não pode ser engessada, alienante. Devem ser trabalhadas de forma a oferecer aos estudantes um pensamento crítico do mundo", afirma o diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Uerj, José Augusto de Souza Rodrigues. Na visão do sociólogo, as disciplinas proporcionam ao estudante uma reflexão crítica sobre o contexto social em que estão inseridos e contribuem para a formação da cidadania. "Para que isso aconteça é preciso oferecer esta formação crítica. Caso as matérias apresentem unicamente a história da sociologia, os nomes de grandes pensadores não contribuirão para a formação do pensamento reflexivo. Não devemos estimular a decoreba. É preciso acompanhar como as disciplinas serão ministradas." Filosofia é base para o pensar crítico - Presidente da Academia Brasileira de Filosofia (ABF), João Ricardo Moderno acredita que discutir o currículo dessas disciplinas é fundamental. "As secretarias estaduais e sindicatos de escolas  particulares deveriam procurar a Academia e associações representativas para discutir a proposta de um currículo mínimo", defende. Em Filosofia, Moderno defende que é preciso apresentar ao jovem a história da Filosofia e a história da Filosofia Brasileira, entre outros pontos. "É preciso estimular a reflexão para que os jovens possam desenvolver sua criticidade." Chefe do departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, Ricardo Jardim Andrade vê a aprovação da lei como uma vitória da democracia. "Elas foram excluídas do ensino médio em 1971 porque eram vistas como ameaçadoras da ordem (ou desordem) estabelecida. O retorno de ambas representa uma vitória da liberdade de expressão contra o obscurantismo, a censura e o pensamento massificado."

Para o filósofo, as disciplinas, além de ensinarem a pensar, desenvolvem a capacidade de expressão oral e escrita dos jovens. "Quem pensa bem, escreve e fala bem", diz, destacando ainda que "elas estimulam a formação de um pensamento crítico e reflexivo. Criam condições favoráveis para a inserção consciente, dinâmica e criativa dos jovens na situação sócio-cultural e histórica em que se encontram. A filosofia, em particular, é necessária para o estabelecimento de um diálogo interdisciplinar que resista à especialização excessiva do próprio conhecimento científico e oferece aos jovens uma visão global da realidade". Pensando no futuro, com ênfase na humanidade - Diante do quadro de desordem urbana e falta de civilidade que toma conta do país, discutir a sociedade, seus fundamentos e ética na escola pode ajudar a mudar o futuro segundo os especialistas. Para o filósofo João Moderno, os professores devem fazer relações de conceitos da disciplina com o dia-a-dia. "A teoria é a abstração de atividades práticas. Os professores devem mostrar isso aos estudantes. Ao fazer relações com situações do cotidiano estarão mostrando como é possível mudar a sociedade. Eles devem mostrar aos jovens transgressões que são cometidas diariamente sem que a pessoa se dê conta. Assim, eles terão consciência de seus direitos e deveres", diz Moderno, destacando que a aprovação da lei mostra uma mudança de linha de pensamento político dos dirigentes do país. "Com a inclusão dessas disciplinas voltamos a ter uma ênfase no espírito. Não conseguimos mudar a matéria sem mudarmos o espírito. Agora, estamos novamente dando ênfase à humanidade." De acordo com o sociólogo José Augusto, jovens formados em uma tradição de olhar crítico podem mesmo criar laços mais fraternos. Mas o especialista alerta que "depositar todas as esperanças de que os conflitos e contradições da sociedade possam ser solucionados sem uma nova forma de pensar é uma ingenuidade." Afinal, mudar o comportamento de uma sociedade exige muito mais do que isso. Mas, como grandes mudanças exigem pequenas atitudes, este pode ser um começo...