Nível
socioeconômico das escolas condiciona nota no Enem
14/12/2012
Antes
mesmo de serem divulgadas as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem),
para saber quais escolas têm um bom desempenho no teste basta verificar o nível
socioeconômico (NSE) dos alunos que estudam na instituição. A constatação foi
feita pelo professor Francisco Soares, do Grupo de Avaliação e Medidas
Educacionais (Game) da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Ao analisar as médias obtidas por estudantes das escolas de Belo
Horizonte na edição de 2011 e compará-las com o indicador social do NSE -
estabelecido conforme dados de renda, escolaridade e ocupação informados no questionário do Enem -, o professor percebeu
uma associação quase perfeita entre os dois fatores, o que resultou em uma reta
praticamente constante: quanto maior o NSE, maior a nota no exame. O estudo,
mesmo focado em uma única capital, reflete um quadro nacional, opina Soares.
Na
comparação feita pelo professor, a medida de associação
entre os dois fatores resultou em uma correlação de 0,883 (muito próxima de uma
correlação perfeita, cujo valor seria 1). Isso
significa que o NSE reproduz quase fielmente a ordenação dos colégios no
ranking do Enem. `Não é uma coisa pequena, acidental,
pelo contrário. É uma associação muito alta. Posso prever o resultado sem
tê-lo, basta olhar o NSE`,
diz o professor da UFMG.
Para
montar a tabela, Soares avaliou cada questionário e produziu a média do NSE de
cada aluno. Depois, estabeleceu o valor médio para cada escola. Foram incluídas
128 escolas (81 delas privadas) das quais mais de 50% dos alunos tenham
comparecido ao Enem no ano passado. Após esse processo, ele comparou os dados
com as notas por escola, divulgadas pelo Ministério da Educação (MEC) em 22 de
novembro deste ano.
Doutorando
pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), o pesquisador
Rodrigo Travitzki também produz sua tese com base na
comparação entre o NSE (calculado com base nas respostas dos questionários do
Enem) e as notas obtidas pelos alunos no exame. No trabalho, que deve ser
defendido entre fevereiro e março de 2013, ele toma como objeto de pesquisa
quase 20 mil escolas de ensino médio de todo o País que foram incluídas no
ranking do Enem 2009 (muito próximo do total das instituições, já que, segundo
o Censo Escolar 2009, quase 26 mil instituições no Brasil oferecem ensino
médio).
Travitzki
concluiu que o NSE tem poder de determinar a variação das notas das escolas.
Segundo o pesquisador, os fatores socioeconômicos explicam em torno de 80% o
desempenho no Enem de cada instituição. Há outras variáveis, como o tipo de
escola (regular ou EJA) e o Estado em que ela está localizada. Mas a maior
parte é atribuída ao NSE.
Apesar
de o estudo ter como objeto as notas do Enem de 2009, Travitzki
aposta que o mesmo diagnóstico poderia ser feito nos anos seguintes. `Não vejo nenhum fator diferente. Acho que pode mudar um
pouco o número, mas nada muito longe disso`,
afirma. Ele presume, ainda, que, sem a publicação da nota da redação em 2011
(em 2009, ela representava praticamente a metade da nota das escolas), esse
número poderia até aumentar para cerca de 85%. `A
redação, pelo menos no Enem, é menos determinada por fatores externos`, esclarece.
Pesquisador é contrário
à ideia de determinismo social
Mesmo
com o alto nível de influência do NSE na determinação das notas do Enem, Travitzki prefere não afirmar que há um determinismo social
na qualidade do ensino e do aprendizado nas escolas brasileiras. Para ele,
definir como determinismo é uma forma simplista de justificar o problema. `Não é uma característica exclusiva do Enem. É um problema mundial`, observa.
O
pesquisador estima que, no mundo, esse índice varie entre 70% e 95%. Na
comparação feita pelo professor da UFMG, aparecem escolas que fogem ao padrão
comum de baixo NSE associado à nota baixa no exame, ficando fora da reta. Essas
instituições se distinguem pelo bom projeto pedagógico oferecido. `A gente usa isso para chamar atenção sobre como realmente
precisamos de bons projetos educacionais`, analisa
Soares. Entre as escolas de alto NSE, também pode haver distinção, geralmente
registrada quando há processo de seleção dos melhores alunos para a realização
da matrícula.
Embora
não considere o NSE um fator determinista, Travitzki
concorda que a melhoria das condições socioeconômicas dos alunos de uma escola
contribuiria para aperfeiçoar a educação no País. O pesquisador afirma que
condições mínimas de alimentação e acesso à cultura, por exemplo, poderiam
resultar em um melhor desempenho e aproveitamento das aulas. `No fundo, uma
política social é uma política educativa`,
entende. Soares, contudo, ataca a lógica educacional na sua base. Para ele, não
se trata de mudar apenas o nível socioeconômico das famílias (o que requer
ações e investimentos de longo prazo), mas sim a escola. `A
educação não poderia simplesmente refletir essas condições`,
define.
O
professor da UFMG ainda lembra que quem mais precisa da escola é justamente
quem menos recebe o devido acompanhamento, uma vez que nessas instituições onde
o baixo NSE é percebido, o ensino geralmente é mais deficiente; já nas escolas
com bons alunos, o professor opina que sobra pouco para que a escola faça a
diferença. `A gente não pode fazer de conta que pode
olhar todas as escolas e alunos da mesma forma. Eles vêm de lugares diferentes,
com necessidades diferentes`,
considera.
Crítica ao ranking
Os
levantamentos feitos tanto pelo doutorando da USP quanto pelo professor da UFMG
colocam em discussão outra questão: o ranqueamento
das escolas segundo a nota obtida no Enem. Para Soares, empregar o exame para
avaliar a qualidade de ensino de uma instituição resulta em um indicador
extremamente frágil. `É ruim que ele receba a chancela de ser a forma como as
famílias olham as escolas`,
pontua. O professor da UFMG acredita que o ranking legitima uma atitude
socialmente perversa de creditar às escolas no topo da lista méritos que podem
ser dos alunos. `A posição da escola não pode ser
tomada como uma boa medida de excelência de seu projeto pedagógico. Pode
refletir simplesmente o sucesso do sistema de seleção da escola`, destaca Soares.
A
publicação de indicadores é considerada fundamental por Travitzki,
embora ele faça ressalvas sobre a utilização do modelo de ranking para a
educação. O pesquisador afirma que as comparações fazem mais sentido quando levam em conta a qualidade em vez de medir se uma escola
fica em 1º ou 10º lugar. `É importante pensar em outros indicadores de
qualidade escolar`,
ressalta.
Com
sua tese, Travitzki pretende desmistificar a ideia de
que a pior escola do Enem é também a pior do Brasil. O objetivo mais imediato,
segundo ele, é identificar boas instituições que não aparecem no ranking porque
trabalham em condições muito difíceis. A longo prazo,
o pesquisador pretende lançar a discussão sobre a necessidade de pensar em
outras formas de avaliação do ensino. Ele enumera dois dos principais perigos
em tomar o Enem como referência para um ranking. Um deles é produzir um efeito
que eleve ainda mais a posição das instituições com notas altas, provocando a
queda das que estão por baixo na lista. O outro, na visão de Travitzki, é o risco de as escolas passarem a produzir um
currículo com base no exame. `Vira preparação para o Enem e leva ao
empobrecimento do currículo`,
alerta.
CARTOLA - AGÊNCIA DE
CONTEÚDO - TERRA EDUCAÇÃO - SÃO PAULO, SP