O Tempo, 25/04/2006 - Belo Horizonte MG
Métodos de alfabetização
Rudá Ricci
O debate sobre a mudança de posição oficial do país em relação ao método de alfabetização tentou circunscrever a polêmica a dois fundamentos: de que o Brasil é um dos poucos países que ainda não adota o método fonético de alfabetização e que a proposta de alfabetização global é coisa do passado. Plantar argumentos menos técnicos e mais ideológicos que esses dois seria uma missão impossível. Esta disputa não é nova e remonta aos textos provocativos de Paulo Freire. Emília Ferrero, psicopedagoga argentina, concedeu uma entrevista explosiva, recentemente, a respeito.
Assim como Freire, não faz distinção entre o aprendizado técnico do alfabeto e sua utilização na compreensão do mundo. Em termos técnicos, não distingue alfabetização e letramento. Fui membro da equipe de Freire e sei bem o objetivo desta discussão. Freire dizia que apenas quando o educando consegue compreender politicamente o mundo e, portanto, o significado da palavra, ele estaria alfabetizado. Antes disto, seria apenas uma memorização ou condicionamento de técnicas.
Não haveria distinção entre a leitura técnica e política (ou cultural), ambas se entrelaçando na construção da identidade. Para Ferrero, existem mecanismos de leitura que emergem da interação entre o sujeito que está aprendendo (sua cultura, seus valores, seus sentimentos) e a linguagem escrita. Existe um papel ativo (e não passivo como sugerem os tecnicistas) do aluno- sujeito, tornando a escrita parte (e objeto) de seu pensamento. Ao aprender a ler, o aluno se prepara para a vida, ao se alfabetizar, precisa construir seu próprio conhecimento ou este se torna um ato externo à sua existência.
Não se trata de uma técnica, portanto, e não há como a alfabetização se apoiar em materiais didáticos prontos. Por este motivo, Freire odiava ser identificado como um criador de “método de alfabetização”. Entre outros motivos porque Freire (como os gregos da Antiguidade) considerava a técnica inferior ao saber. Meu olhar sobre o mundo e o que sinto é anterior ao signo, ao alfabeto. Alfabetizar não é uma mera técnica, assim como saber ler números não garante uma boa compra.