Jovens fogem para estudar

Estado de Minas, 19/11/2008 - Belo Horizonte MG

Obrigados a trabalhar na lavoura, adolescentes analfabetos saem de casa e denunciam pai a Conselho Tutelar por maus-tratos. E conseguem abrigo na cidade para recomeçar vida

Simone Lima

 

Um agricultor de 65 anos, de Camacho, na Região Centro-Oeste de Minas, está sendo acusado de maus-tratos e abandono intelectual de menores. Ele teria impedido os 12 filhos de freqüentar a escola, obrigando-os a trabalhar na lavoura. O caso foi levado ao Conselho Tutelar um mês, quando duas adolescentes de 15 e 16 anos fugiram para a cidade vizinha de São Francisco de Paula, onde pediram ajuda a um amigo, que entrou em contato com as autoridades. “Como são moradores do município, o caso nos foi repassado”, explica a presidente do Conselho Tutelar de Camacho, Teresinha Maria de Sena. Ao visitar a casa onde a família reside, na zona rural, os conselheiros encontraram outros dois adolescentes, de 17 e 13 anos, e uma jovem, de 20, em condições precárias. “Eles não tinham higiene pessoal, pois na casa não havia sabonete, xampu, nada. A comida era regrada e, segundo os filhos, o pai é muito agressivo”, explica Teresinha. A presidente do Conselho Tutelar disse que dos 12 filhos apenas sete moravam com o pai. “Os outros são mais velhos, se casaram e foram morar em outras cidades”, conta.

Os quatro adolescentes e a jovem foram levados para o abrigo Casa da Criança, em Itapecerica. Uma moradia está sendo reformada em Camacho para que os irmãos possam recomeçar a vida. “Eles ficarão sob responsabilidade da irmã mais velha, mas serão acompanhados pelo Conselho Tutelar e pelo Juizado da Infância e da Juventude. Poderão estudar, trabalhar e lutar por um futuro melhor.” M.G.A.S., de 20 anos, ficará responsável por quatro irmãos mais novos. A jovem afirma não se intimidar e sonha em retomar os estudos para se formar professora. “Pedíamos ao pai para  estudar e ele dizia que a escola não ia ajudar em nada na nossa vida”, conta.

Assim como os irmãos, M.G.A.S. não sabe escrever nem o próprio nome. Emocionada, ela lembra momentos de medo e tristeza enquanto morava com o pai. “Ele batia muito em nós, principalmente com pedaço de pau. Certa vez, quase quebrou minha costela. Como minha mãe é doente, ela não podia fazer nada”, explicou. A jovem disse que muitas vezes o pai não a deixava almoçar nem jantar. "Era tudo regrado, ele determinava o que cada um podia comer. Como eu servia todos, se não sobrasse, ficava sem comer”, salientou. Entusiasmada com a nova vida, M.G.A.S. afirma que não guarda rancor do pai, mas nunca mais quer voltar a morar na antiga casa. “Chega de enxada, quero agora livro, lápis e borracha para garantir o meu futuro”, afirma. Questionado sobre acusações de maus-tratos e abandono intelectual dos filhos, o pai dos jovens garante que nunca bateu em nenhum deles. “A única coisa que errei foi não tê-los levado à escola, o resto é tudo mentira”, explicou. De acordo com a superintendente Regional de Ensino de Campo Belo, Magali Lopes Miguel, a vaga nas escolas públicas da região estão asseguradas para esses jovens e adolescentes que foram impedidos de estudar pelo pai.

EVASÃO - De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação (Inep/MEC), são altas as taxas de abandono de crianças e jovens da escola antes do fim do ano letivo. No ensino médio, o índice chegou em 2007 a 13,2% e, no fundamental, a 4,8%. Em Minas Gerais, a taxa de abandono no ensino médio é de 12% e do   fundamental, de 3,3%. Quando os alunos abandonam a vida escolar e não voltam mais, eles passam a fazer parte da taxa de evasão, que no Brasil aumenta com o passar dos anos. Prova disso são os últimos dados do Inep/MEC, de 2005, mostrando que a taxa nacional foi de 6,9% no total, sendo que na 1ª série do ensino fundamental apenas 1% dos estudantes deixaram a sala de aula, de um ano para outro. Na 8ª série, o índice de evasão foi de 14,1%. No ensino médio, o total é de 10%. O mesmo ocorre em Minas Gerais, onde os números indicam 6,1% dos estudantes de 1ª a 8ª série deixando a escola, enquanto no ensino médio 9,8% abandonaram o colégio.

INCENTIVO - A secretária de Estado de Educação, Vanessa Guimarães, fisse ontem que a evasão escolar é um problema nacional, que será ser debatido em seminário em São Paulo, em dezembro. O governo de Minas pôs em prática algumas iniciativas como o Programa de Educação Profissional (PEP), com 40 mil matrículas em 100 cidades, oferecendo cursos gratuitos profissionalizantes, e o Pró-Jovem, que dá incentivo para conclusão do supletivo. Para Vanessa, muitos alunos desistem porque fazem o ensino fundamental de forma precária e, como não tiveram uma boa base, não conseguem concluir o ensino médio. Outros param pela necessidade de trabalhar. “Há vários problemas relacionados à evasão escolar, por isso não há solução mágica. Precisamos de escolas melhores, que os alunos concluam as séries na idade certa e os mais jovens estudem durante o dia e também adiem sua entrada no mercado de trabalho. Se começam a trabalhar na adolescência, vão ter grande chance de deixar os estudos”, afirma a secretária.