Insegurança na sala de aula

06/06/2011

 

Polêmica sobre livro de português que considera corretas frases em desacordo com as normas cultas desperta temor de estudantes sobre a qualidade do conteúdo didático

 

Uma vida melhor que dividiu linguistas e professores em geral. A obra traz em suas páginas e considera corretas frases como “Nós pega o peixe” e “os livro ilustrado”. A reportagem do Estado de Minas conversou com estudantes que receberam o livro que integra a coleção Viver, aprender e registrou as opiniões e as dúvidas dos alunos sobre a obra. Entre as preocupações estão a qualidade do conteúdo oferecido em sala de aula por meio dos livros adotados e os problemas que a confusão entre linguagem falada e normas cultas pode provocar em futuras seleções profissionais.

Alguns especialistas garantem que o livro não ensina o português de forma errada e que mostra para os alunos as distinções entre a norma culta da língua escrita e o modo coloquial da falada. Do outro lado, acadêmicos condenam a distinção e apontam com preocupação o distanciamento, cada vez maior, entre as duas formas de expressão. No entanto, a posição é quase unânime quando o assunto é discutido pelos próprios estudantes: eles preferem ter acesso à norma culta em sala de aula. “Sei que falamos de uma forma bem diferente da maneira que escrevemos, mas quando venho para a aula gostaria de conhecer somente a forma correta do português”, afirma Marcos Ferreira Ribeiro, de 34 anos, fazendo coro com boa parte dos colegas que participaram de debate sobre o tema.

A coleção Viver, aprender foi distribuída para mais de 480 mil alunos em todo o país pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em Belo Horizonte são 108 escolas municipais que recebem as turmas do EJA, com cerca de 21 mil alunos matriculados em 2011, mas nem todas trabalham com a obra. Para o aluno da 9ª série do Ensino Fundamental Roney Pereira Silva, de 21, a polêmica em torno do livro de português foi importante para trazer à tona detalhes envolvendo a educação pública do país que precisam ser discutidos. “É um tema que precisa sempre ser reavaliado. Temos que escrever corretamente nas provas, vestibulares e concursos. Mesmo com as explicações de que o método é aplicado para estimular as formas populares de falar, acabamos recebendo a informação de que uma coisa errada é aceitável, quando deveríamos ser corrigidos”, considera.

Método Uma das autoras do livro, a professora Heloísa Ramos, garante que a abordagem não prejudica o aprendizado da forma culta pelos estudantes, mas, por ser uma obra complexa, ela exige dos alunos e dos professores um trabalho de contextualização para que a mensagem sobre as diferentes maneiras de expressão do idioma sejam compreendidas. “Este é um livro didático diferente, criado dentro de um plano de ensino. A polêmica que se criou na parte que trata das variações linguísticas desconsidera o diálogo com o aluno ao longo de toda a obra, que estabelece uma reflexão para chegar às diferenças entre as duas normas”, defende. A posição da educadora encontra eco em parte dos alunos. Durante as discussões sobre o tema em uma das turmas da EJA, na Escola Municipal Aurélio Pires, alguns estudantes defenderam a valorização das formas populares do português. “Não vejo problema em discutirmos todas as formas de falar nas escolas, por meio dos livros. Com erros de português, sotaque ou qualquer tipo de diferença, acho importante termos acesso aos tipos diferentes. São as maneiras que usamos no dia a dia e não há por que ficarmos presos aos detalhes da norma culta”, afirma José Geraldo de Paula, de 48.

Estudantes veem risco de despreparo - Para Giuliano Debortoli, de 16, aluno da 8º série do ensino fundamental, a maior preocupação envolvendo o livro didático que considera corretas formas de expressão em desacordo com a gramática da lingua portuguesa está no futuro dos alunos do EJA, que recebem um conteúdo diferente daquele a que os estudantes regulares têm acesso. “Recebemos uma obra diferente daquelas que são entregues aos outros alunos. Agora, com os questionamentos sobre o livro por causa desses erros de português, me sinto prejudicado. Ainda mais em uma matéria como essa, que é tão importante, e em que a grande maioria dos alunos mostram dificuldades”, diz. O estudante planeja fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos próximos anos e espera que o livro seja                reavaliado pelo MEC. “É uma prova muito popular, com estudantes de várias classes e idades que participam para conseguir vaga nas faculdades. Todos serão cobrados da mesma forma, com o mesmo tipo de linguagem. Erros como esses que vêm no livro não são tolerados nesse tipo de avaliação”, justifica.

A professora Heloísa Ramos, entretanto, garante que Por uma vida melhor prepara bem os alunos sobre detalhes da norma culta e discute temas presentes na rotina dos estudantes do EJA. “Os livros didáticos para esses alunos não podem ser iguais aos usados para crianças do ensino regular. A seleção dos textos é direcionada para adultos, pessoas que saem nas ruas, já têm histórico de vida e muitas vezes estão no mercado de trabalho. Mesmo para os alunos regulares do ensino público esse método é positivo, principalmente para crianças de classes populares. Garanto que por meio desse livro eles terão o domínio da norma culta e condições de serem aprovados em qualquer universidade do país”, disse.

Alguns estudantes questionaram o uso do livro e sugeriram ao MEC uma revisão nos métodos defendidos para as turmas do EJA. “Acho que essas partes do livro deveriam ser reavaliadas. Independentemente de minha idade ou classe, como estudante quero ter acesso somente à norma culta da língua. Esse entendimento de que existem várias formas aceitáveis pode até decidir quem consegue passar em uma seleção”, analisa Maurício Mendes, de 38. Os estudantes Aldo Andrade, de 21, e Eliane Teixeira, de 36, concordam com o colega. Para eles, o estímulo às formas populares acaba causando dúvidas, indo na direção contrária ao que deveria ser trabalhado nos livros didáticos. Heloísa Ramos não é contra a revisão do livro polêmico, mas defende o método na educação dos alunos. “São questões importantes para o sistema escolar brasileiro, e acredito que contribuem para o ensino. Talvez, se os livros forem revisados, possamos escrever um capítulo inteiro sobre a questão que despertou tanto interesse, mas o princípio da educação popular não pode mudar”, opina.

 

> Estado de Minas, Belo Horizonte MG

Marcelo da Fonseca