Entenda a polêmica do livro que defende o “nós pega” na escola
19/05/2011
Obra distribuída pelo MEC provoca debate sobre o papel da
língua popular na sala de aula
Aceitar a
expressão “nós pega o peixe” como parte de uma linguagem adequada causa
estranhamento e – em alguns casos – indignação de brasileiros zelosos pela
língua culta. Mas a linguagem popular, considerada por linguistas
como uma forma de comunicação válida e com regras próprias, é também usada em
salas de aula, conforme revelou o iG
na semana passada ao mostrar que um livro utilizado em 4.236 escolas públicas
do País para a Educação de Jovens e Adultos defende que o uso desta língua oral
é adequado.
Mais
do que um fato isolado, o livro Por uma Vida Melhor, da
Coleção Viver, Aprender, trouxe à tona uma polêmica antiga nos meios
acadêmicos. De um lado, estão linguistas que defendem
a obra que prega que o aluno pode falar “os livro”.
Eles entendem que o uso da língua popular no ensino ajuda os estudantes de
classes populares a se sentirem incluídos e, com isso, aprenderem com maior
facilidade a norma culta. De outro, os que acreditam que esta prática limita a ascenção social dos próprios alunos.
“Para a linguística, não é um problema descrever a maneira como as
pessoas falam, mas isso é diferente de dizer que o uso popular é desejável”,
explica o linguista Bruno Dallari, ao comentar o
conteúdo da obra da Coleção Viver, Aprender. “Esse não é um episódio isolado.
Um grupo da linguística, ligado a sociolinguística
e a educação popular, defende que considerar a língua falada no ensino é uma
forma de evitar preconceito linguístico, de incluir
as pessoas das classes mais populares, mas é preciso tomar cuidado para não
achar que todas as pessoas da área pensam dessa forma”, explica. “Aceitar o
ensino da língua popular pode provocar o efeito contrário, deixando apenas para
a elite o uso da norma culta”, complementa Dallari.
Na mesma
linha, o imortal da Academia Brasileira de Letras e gramático Evanildo Bechara, autor da Moderna Gramática Portuguesa,
afirmou na semana passada que o aluno não vai para a escola “para viver na
mesmice” e continuar falando a “língua familiar, a língua do contexto
doméstico”, mas para se ascender a posição melhor. Na segunda-feira, a
preocupação da ABL foi transformada em uma nota em que a instituição diz
estranhar certas posições teóricas dos autores de livros que chegam às mãos de alunos dos cursos Fundamental e Médio.
Na defesa da
obra, Marcos Bagno, autor de livros como A norma
oculta – língua & poder na sociedade brasileira, explica que o livro está
de acordo com parâmetros curriculares do Ministério da Educação, que entendem
que a língua é heterogênea e que não há feio e errado. “A função da escola é
introduzir novidades”, diz. Segundo o professor, antigamente as escolas
trabalhavam para substituir o jeito que os estudantes falavam, o que os deixava
inseguros. “Agora, o aluno se reconhece no material didático e consegue se
apoderar de outras formas de falar”.
A autora da
obra, Heloisa Ramos, ao comentar o conteúdo afirmou que apesar de haver trechos
dedicados ao uso da norma popular, o livro não está promovendo o ensino dessa
maneira de falar e escrever. “Esse capítulo é mais de introdução do que de
ensino. Para que ensinar o que todo mundo já sabe?”
Apesar da
polêmica, o Ministério da Educação não pretende proibir o livro. Depois de
divulgar nota em que afirma que papel da escola não é só o de ensinar a forma
culta da língua, mas também o de combate ao preconceito contra os alunos que
falam “errado”, o próprio ministro Fernando Haddad afirmou que não tem motivos
para censurar a obra. “Estamos envoltos em uma falsa polêmica. Ninguém está
propondo ensinar o errado”, disse em entrevista à rádio CBN.
Ensino da língua culta é consenso
Entre as
posições contra e a favor da obra resta o consenso da necessidade de ensinar a
língua culta na escola. A professora Magda Soares, autora de livros didáticos
de português, acredita que as pessoas que estão criticando a obra não leram
todo o capítulo que trata da língua popular. Na avaliação dela, o trecho fala
exatamente sobre a importância da aprendizagem da norma culta. A discussão, que
parece nova, é recorrente nos meios acadêmicos e ultrapassa os departamentos
que tratam da língua e vai até os que se dedicam à literatura.
Alcir Pécora, professor de teoria literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conta que entre os que atuam nesta área a defesa das normas é ainda mais veemente: ”Como um aluno vai entender um texto antigo se não tiver as ferramentas para isso?”, pergunta, sem deixar de comemorar que a discussão esteja sendo feita pela sociedade. “Debatemos esta questão acaloradamente há 40 anos na academia. Acho ótimo a polêmica ter sido levantada em outros meios”, conclui.
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