O Estado de São Paulo, 15/06/2003 - São Paulo SP

Ensino médio obrigatório

Editorial

 

O Ministério da Educação pretende, a partir de 2004, tornar obrigatório o ensino médio, a exemplo do que já ocorre com o ensino fundamental. O secretário de Educação Média e Tecnológica do Ministério, Antônio Ibañez, disse que a proposta visa a tornar compulsória a matrícula no primeiro ano desse nível de ensino em 2004, no segundo ano, em 2005, e, no terceiro ano, em 2006. Para que isso possa ocorrer, os alunos que terminarem a 8.ª série do ensino fundamental em dezembro deverão ter vagas e condições de permanência na escola garantidas. Para atender a essa última demanda, o MEC pretende instituir, para alunos do período noturno, que tenham entre 16 e 19 anos de idade, um programa semelhante ao Bolsa-Escola.

 

A iniciativa é auspiciosa, mas sua implementação não é tão simples como fazem crer as declarações das autoridades educacionais. O secretário Ibañez falou, por exemplo, que a obrigatoriedade seria instituída por decreto. Ora, medida dessa natureza exige emenda constitucional, alterando o inciso II do art. 208 da Constituição que especifica como dever do Estado a "progressiva universalização do ensino médio gratuito". Além disso, a velocidade de expansão das matrículas no ensino médio é muito alta. Segundo o Censo Escolar 2002, apenas naquele ano foram feitas mais 400 mil novas matrículas. Nos últimos seis anos, o número de matrículas aumentou 53%. Sem contar os alunos matriculados em supletivo, o ensino médio formal registrou 8,4 milhões de alunos no final do ano passado - e é impressionante a diversidade, em termos de faixas etárias: apenas 3,8 milhões dos matriculados estão na relação idade/série correta, entre 15 e 17 anos; mais de 2 milhões de alunos têm mais de 20 anos; e 1,2 milhão tem mais de 25 anos. Parcela considerável dos alunos do ensino médio tem mais de 29 anos de idade. Apesar disso, como demonstrou o último Censo do IBGE, menos de um terço dos jovens brasileiros entre 15 e 24 anos está ou esteve matriculado no ensino médio. Portanto, há uma grande demanda reprimida nesse nível de ensino, que só poderá ser atendida com vultosos investimentos em salas de aulas e na formação e contratação de professores.

 

O secretário Ibañez anunciou que serão oferecidas de 60 mil a 80 mil bolsas de estudos para que os jovens que enfrentam       maior risco de evasão, por problemas de renda, possam permanecer na escola. O MEC pretende utilizar recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento nesse programa. Mas ninguém explica por que já foram pagos US$ 6 milhões em multas ao BID pela não utilização de empréstimo tomado para incentivar e melhorar a educação média. O ensino médio tem uma taxa de complementaridade de trajetória escolar bem maior que a do ensino fundamental: 74% dos alunos que se matriculam no ensino médio concluem o ciclo, contra 59% no fundamental. Isso significa que a necessidade de professores é estável para os 3 anos do ciclo, existindo atualmente um déficit reconhecido pelo MEC de 250 mil professores. Sem um projeto de incentivo ao magistério - um licenciado em Física, Química ou Biologia tem outras possibilidades profissionais além da docência -, a obrigatoriedade do ensino médio ampliará o déficit de professores, com graves conseqüências para a qualidade do ensino. Tentativas intempestivas de expansão de matrículas já foram feitas na história da Educação brasileira e o resultado não foi dos melhores.