O Estado de São Paulo, 14/06/2003 - São Paulo SP

Ensino médio obrigatório é recebido com ceticismo

Educadores duvidam que União disponha de recursos para ajudar Estados a cumprir projeto

Renata Cafardo

 

Tornar o ensino médio obrigatório, conforme projeto anunciado na quinta-feira pelo Ministério da Educação (MEC), significa exigir dos Estados a oferta de estrutura e professores para que não falte vaga a nenhum aluno que termina o ensino fundamental. "Se o MEC tem essa preocupação é preciso um repasse maior de recursos", diz a responsável pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria da Educação de São Paulo, Sonia Maria Silva. Hoje, segundo ela, as verbas para o ensino médio se destinam apenas a projetos de capacitação de professores ou melhora de laboratórios e bibliotecas. São Paulo tem atualmente 5,2 milhões de alunos no ensino fundamental, número quase três vezes maior que o 1,8 milhão que cursa ensino médio. Segundo dados do MEC, de cada 100 alunos que começam o ensino fundamental no Estado, 52 terminam o ensino médio. No País, esse índice é de 40%. "Há muitas escolas em São Paulo sem nenhuma condição de expansão", diz a educadora da Universidade de São Paulo (USP), Lizete Arelaro. Fora a estrutura, o Brasil tem hoje um déficit de 235 mil     professores no ensino médio. Segundo a representante da secretaria, em São Paulo houve um crescimento recente da procura por escolas nas periferias - perto das casas dos alunos. As unidades mais centrais, no entanto, estão ficando ociosas. "Uma solução seria a criação do fundo do ensino médio para que esse dinheiro fosse usado para transporte de alunos para as escolas centrais", diz Sonia. Na opinião de outra professora da USP Sonia Kruppa, o Estado tem, sim, como ampliar o ensino médio. Ela lembra que uma das condições para a municipalização do ensino fundamental - era a de que os investimentos aumentassem no ensino médio. "Para cada criança que foi para os municípios deveria ter sido aberta uma vaga no ensino médio." São Paulo tem 1,9 milhão de alunos no ensino fundamental sob responsabilidade dos municípios. "Acho louvável essa iniciativa do MEC", afirma Sonia. Segundo ela, a Constituição previa a obrigatoriedade progressiva do ensino médio, mas uma emenda acabou atenuando o espírito da lei, já que mencionava apenas a "universalização do ensino médio". A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),       de 1996, também sustenta que a educação básica (ensino infantil, fundamental e médio) é direito de todos.

 

Contrapartida - Para garantir essa obrigatoriedade, o secretário do Ensino Médio do MEC, Antonio Ibañez, propõe um decreto. Com isso, o governo federal precisa dar uma contrapartida aos Estados, como o repasse do valor per capita da merenda (R$ 0,13 por dia) e livros didáticos. "Para mim, isso é letra morta. Não sei de onde vai sair dinheiro para cumprir o decreto", diz Lizete. O MEC estuda ainda um bolsa de cerca de R$ 250,00 para alunos de curso noturno que não estudam porque precisam trabalhar. "Esse valor é apenas o do meu aluguel", diz o motoboy David Souza de Jesus Nadai, de 21 anos, que parou de estudar no 1.º ano do ensino médio. "Eu acaba fazendo hora extra e não chegava a tempo na escola. Tive de optar entre o trabalho e os estudos." Sempre que tentou voltar a estudar, David diz que teve dificuldades em encontrar vagas no ensino médio. "Quando conseguir pagar, vou fazer supletivo particular."