Folha Dirigida, 03/06/2003 - Rio de Janeiro RJ

Ensino Médio e Educação Profissional: mudanças à vista!

Donaldo Bello de Souza

 

Não é preciso ser um Cherlock Romes da educação, tampouco paranormal para intuir que em breve teremos notícias acerca de encaminhamentos, pelo atual governo, de propostas relativas a uma nova reforma do Ensino Médio e, a um só tempo, da Educação Profissional no Brasil. Há de se esperar, portanto, que se possa reparar as incorreções e distorções impressas no Ensino Médio e na Educação Profissional, de um lado, pela Resolução n° 03, de 26 de junho de 1998, de responsabilidade da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, e, de outro, pelo Decreto Lei n° 2.208, de 14 de abril de 1997, cunhado pelo então Ministério da Educação e do Desporto, que reestruturou, ou melhor, "desestruturou", o ensino técnico-profissionalizante no País.

 

Um primeiro indício de que mudanças se aproximam decorre do fato de que, dentro de duas semanas, no período de 16 a 18 de junho, realizar-se-á em Brasília evento significativo na área, denominado Seminário Nacional sobre a Educação Profissional: Concepções, Experiências, Problemas e Propostas, promovido pelo Ministério da Educação / Secretaria de Educação Média e Tecnológica / Programa de Expansão da Educação Profissional (MEC/SEMTEC/PROEP), abarcando questões dispostas em 15 Seções de Grupos de Trabalho, Seções que se moverão a partir de discussões em torno do planejamento, da gestão e do financiamento desta modalidade de ensino, perpassando as suas múltiplas dimensões pedagógicas, culminando, ainda, em debates sobre a avaliação institucional e a formação de professores para a área

 

Um outro dado importante, refere-se ao aprofundamento de pesquisas e a retomada de publicações que assumem por tema tanto o Ensino Médio, quanto a Educação Profissional, aspecto que também pode ser tomado como indicativo das transformações vindouras. Na impossibilidade de aqui se destacar o conjunto amplo de obras expressivas em ambas as áreas, assumo o ônus de vir a cometer injustiças, logicamente não intencionais, por referendar apenas três.

 

Em 2000, a professora Acácia Zeneida Kuenzer (UFPR), organiza o livro denominado "Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho" (São Paulo: Cortez, 248 p.), no qual seus autores, recuperando princípios que remetem à noção de politecnia, se esforçam por definir um horizonte político-pedagógico que permita a superação da dicotomia estrutural entre a formação para o "pensar" e formação para o "fazer", reflexo da divisão social e técnica do trabalho, tomando por eixo o desenvolvimento articulado de competências tecnológicas, cognitivas e comportamentais, de modo a permitir que os jovens venham a estar capacitados para o enfrentamento dos desafios da vida social e produtiva, trabalhando coletivamente e usando o conhecimento de forma criativa e transdisciplinar. No ano seguinte, fomos      agraciados pelo excelente trabalho da professora Marise Nogueira Ramos (UERJ, CEFET-Química/RJ, UEMC e, ainda, atual Diretora de Ensino Médio da SEMTEC do MEC). Sob o título "A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação" (São Paulo: Cortez, 2001, 320 p.), a autora principia seu trabalho abordando a tensão, há muito instituída, entre as noções de qualificação e competências; situa o debate em âmbito internacional, com foco nos sistemas de competências relativos a paises como a Austrália, México, Espanha, Estados Unidos, Alemanha, França, Canadá, além do Reino Unido; atingindo o ponto mais nobre do trabalho exatamente quando, de um lado, explicita a noção de competências enquanto meio ordenador das relações de trabalho e, de outro, analisa esta mesma noção como forma ordenadora das relações educativas, com foco em suas implicações curriculares.

 

Mais recentemente, em 2002, um outro estudo, intitulado "O ensino Médio e a Reforma da Educação Básica" (Brasília: Plano, 372 p.), agora organizado pelas professoras Dagmar M. L. Zibas (FCC), Márcia Ângela da S. Aguiar (UFPE) e Maria Sylvia Simões Bueno (UNESP), traz a cena um mosaico extenso de questões diretamente relacionadas aos principais problemas que marcam o Ensino Médio contemporâneo no Brasil. Nesse trabalho, pesquisadores como os professores Carlos Roberto Jamil Cury, Maria Laura P. Barbosa Franco, Luiz Antonio Cunha, Nicholas Davies, Carmem Sylvia Vidigal Moraes, Celso João Ferretti, Lucia Bruno, entre outros mais, dividem suas análises entre temas cruciais como: o Ensino Médio na perspectiva da Educação Básica; as políticas de financiamento e gestão do Ensino Médio; Ensino Técnico, mundo do trabalho e as questões pedagógicas e, ainda, destinando um espaço para o debate acerca de outros pontos igualmente relevantes. Sobre o Ensino Médio, é possível afirmar que seu ponto crítico não necessariamente se constitui nas oportunidades de acesso, no sentido de os sistemas, quer federal, quer estaduais, não disporem de vagas compatíveis ao atendimento da demanda. Para a nossa surpresa, são muitas as pesquisas que convergem para a tese de que a oferta de vagas na 1a Série do Ensino Médio vem se mostrando superior à quantidade de egressos da 8a série do Ensino Fundamental, corroborando resultados de pesquisas governamentais que revelam ainda ser extremamente reduzido o número de matrículas nesta etapa do ensino. Sob outras palavras, nem todos os concluintes do Ensino Fundamental prosseguem seus estudos na esfera do Ensino Médio, embora o sistema (federal e estadual) disponha de certa capacidade de atendimento, pelo menos por ora. Presentemente, o problema residiria, então, não no acesso, mas na permanência do aluno nesta etapa da Educação Básica, aspecto que, ao lado de outros, igualmente marca o Ensino Fundamental. De acordo com resultados de Senso de abrangência nacional realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e       Pesquisas Educacionais (INEP) do MEC, publicado em março do corrente, é possível depreender que 41% dos alunos que ingressam no Ensino Fundamental o abandonam antes de sua conclusão e que 39% daqueles que nele conseguem permanecer expõem idades inadequadas, ou seja, superior à prevista para a Série. Do total de alunos que cursam a Educação Básica, apenas 40% terminam o Ensino Médio, contudo, consumindo, em média, cerca de 14 anos, tempo que, no caso das regiões Norte e Nordeste, se eleva em um ou mias anos. No Brasil, dos jovens com idade entre 25 e 34 anos, apenas 24% concluíram o Ensino Médio e somente 6% cursam o Ensino Superior, permitindo que se conclua que nada menos que 70% permanecem única e exclusivamente com o Ensino Fundamental.

 

Por seu turno, apesar de a Educação Profissional ainda não permitir análises quantitativas decorrentes de dados sobre aprovação e evasão em seus três níveis (Básico, Técnico e Tecnológico), pois o MEC não os possui, tem-se a clareza de que a reforma levada a efeito, autoritariamente, pelo Decreto Lei n° 2.208/96, em consonância à legislação subseqüente, introduziu sérias distorções nessa modalidade de ensino. As Escolas Técnicas e Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) transformaram-se em escolas "tradicionais" de Ensino Médio, neste sentido, de caráter generalista, diferenciando-se apenas em virtude do fato de disponibilizarem módulos profissionalizantes a margem do currículo regular; a profissionalização em Nível Técnico, a pretexto de uma pseudoflexibilização curricular, fragmentou-se em módulos, cuja certificação ainda não se encontra suficientemente clara, quer no âmbito dos módulos cursados pelos alunos, quer no que tange ao reconhecimento de seus saberes tácitos, ou seja, à certificação de suas competências pregressas; dobrou a jornada de estudo, uma para as disciplinas do Ensino Médio regular e uma segunda para os Módulos profissionalizantes; isto para não nos alongarmos mais e demonstrarmos que ocorreu um retrocesso em relação à Lei n° 5.692/71 já que, desconsiderando o saber cientificamente produzido a respeito da matéria ao longo desses 30 anos, mais uma vez insistiu-se, obsessivamente, em aderir esses cursos às estreitas necessidades do "mercado de trabalho", como se isto implicasse garantia de inserção do egresso no mundo produtivo, aliás, num mundo produtivo em constante mutação, no qual postos de trabalho diariamente são subtraídos, determinadas ocupações morrem ou se metamorfoseiam, enquanto que outras nascem, isto tudo segundo uma velocidade jamais imaginável. Finalizando, há de se esperar que os nossos prognósticos se concretizem e, nestes termos, que uma nova reforma do ensino técnico-profissionalizante ocorra, restabelecendo oportunidades mais dignas para a formação do trabalhador brasileiro, para além dos modismos pedagógicos e das ideologias neoliberais e globalizadoras que impregnaram as reformas da longa década de 90.

 

Doutor em Educação, professor adjunto e coordenador do Núcleo de Projetos Especiais (NUPE) da Faculdade de Educação da UERJ