Jornal do Commercio, 22/02/2005 - Recife PE

Ensino médio – o desafio

Mozart Neves Ramos

 

Estratégico na formação de jovens para o pleno exercício da cidadania e elo entre o ensino fundamental e o ensino superior, o ensino médio atravessa uma grave crise de qualidade e identidade. Dentre as diferentes modalidades de ensino, foi, nestes últimos anos, a que mais cresceu, entre 1995 e 2003, o número de matrículas passou de 5,3 milhões de alunos para 9,1 milhões. Ainda assim, existem muitos jovens que concluíram o ensino fundamental e que não ingressaram no ensino médio. Outro fator preocupante são as elevadas taxas de reprovação (9,8%) e de abandono escolar (13,7%). Apesar disto, 1 milhão e 800 mil alunos concluíram, em 2003, o ensino médio em nossas escolas públicas, a maioria deles, infelizmente, não conseguirá entrar em nossas universidades públicas e nem mesmo no competitivo mundo do trabalho, juntando-se à fila dos desempregados deste País. Falta, ao Brasil, um projeto para a juventude! E este projeto deve começar por um ensino médio de qualidade, com professores para atender esta demanda e bem remunerados, estrutura física adequada em nossas escolas, laboratórios de informática e de ciências, livro didático e merenda escolar, como no ensino fundamental, e um novo Fundo para financiá-lo. O Fundef, implantado no governo Fernando Henrique e destinado ao ensino fundamental, foi, certamente, o mais importante instrumento para a melhoria da qualidade do ensino público desses últimos tempos. Por outro lado, os Estados, sem a participação da           União, não conseguirão financiar o ensino médio na sua plenitude, até porque cada vez mais a União concentra os recursos públicos. Neste sentido, para não ter dúvidas, basta olhar a evolução, ao longo dos anos, de recursos compartilhados versus recursos exclusivos da União. Em 1989, 80% destes recursos eram descentralizados para Estados e municípios, hoje, o quadro é exatamente o inverso: a União concentra 80% dos recursos. Falta financiamento, mas falta, sobretudo, gente qualificada e motivada para o enfrentamento deste desafio. É muito grave a falta de professores no ensino médio, especialmente nas disciplinas de química, física, matemática e biologia. Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do Ministério da Educação, o déficit de professores em todo o País é de cerca de 250 mil. Por exemplo, em Física, seria necessário que o País tivesse formado, na última década, cerca de 55 mil professores e só formou 7,2 mil. E o pior, o número de professores em processo de aposentadoria supera o número de professores que as nossas universidades e faculdades estão formando. Em 2001, por exemplo, formaram-se na Universidade de São Paulo (USP - a maior universidade pública do País) apenas 172 professores para estas quatro disciplinas: 52 em Física, 42 em Biologia, 68 em Matemática e 10 em Química. Imaginem nas outras universidades públicas! O quadro é muito grave e vai exigir um grande esforço nacional. A diminuição, ano após ano, do   prestígio pelo exercício do magistério deveria preocupar a todos, que se traduz desde os baixos salários à ausência de uma política estrutural capaz de motivar o ingresso de novos alunos nos cursos de licenciatura. E os poucos que hoje ingressam nesses cursos, não lhes faltam, na fase inicial da universidade, garra e motivação. Mas, aos poucos, e falo isso como professor do curso de Licenciatura em Química da UFPE, vai abatendo sobre eles um certo desânimo, pela ausência de apoios institucionais ou, ainda, pelas sucessivas reprovações nas disciplinas que exigem um certo domínio da matemática (nesta hora, aparece com força a ausência de conteúdo que não lhes foi dado no ensino médio). Para aqueles que conseguem sobreviver, vem à dúvida: tudo isso para ganhar dois ou três salários mínimos? O que ocorre é que eles normalmente seguem dois caminhos: ou vão para a escola privada de ensino médio, que paga bem melhor do que a pública, ou vão tentar um curso de pós-graduação, cuja bolsa é superior ao que ganhariam numa escola pública. Outras vezes, ainda na própria universidade, ingressam num programa de iniciação científica e aí não mais retornam, em geral, para o magistério. Isto ocorre porque não existe um programa de iniciação à docência para os alunos das licenciaturas, nos mesmos moldes da iniciação científica. Falta gente, e sem gente qualificada e motivada é difícil fazer qualquer mudança. Mas, é possível vencer este desafio, é só uma questão de vontade política, como veremos no próximo artigo.