Folha
Dirigida, 22/08/2006 - Rio de Janeiro RJ
Bruno
Aires
Mais de 3,7 milhões de estudantes brasileiros
farão uma prova neste domingo, dia 27. É o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que chega a sua nona edição batendo um recorde de
inscritos. O exame surgiu com o objetivo de ser um instrumento de avaliação do
nível médio, mas hoje, muitos alunos vêem no Enem uma
porta mais fácil para entrar na universidade. Quando o aluno obtém uma nota
final no Enem igual ou maior que 50 pontos já pode
conseguir uma vaga em algumas instituições de ensino superior. Outras
universidades requerem notas maiores (variando de 50 a 90). Em todo o país, são
atualmente 467 instituições que aceitam o Enem como
uma forma de ingresso, evitando muitas vezes que o estudante enfrente as provas
tradicionais do vestibular. Até o governo federal, hoje, valoriza o Enem. Para participar do Programa Universidade para Todos (ProUni), o aluno precisa fazer o Enem
para ganhar bolsas de ensino em instituições particulares. Com esta inovação,
surgida em 2005, o número de inscritos no Enem dobrou
de um ano para o outro. Segundo alguns educadores, este é um indício de que o Enem deixou de ser visto como uma avaliação do ensino médio
para tornar-se apenas uma forma a mais de ingresso ao ensino superior.
Um termômetro da qualidade do ensino - Para o
professor José Carlos Portugal, diretor da Rede MV1 de ensino e vice-presidente
do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio (Sinepe-Rio)
e membro do Conselho Estadual de Educação, o fato de o aluno fazer o Enem visando à entrada na universidade não significa,
porém, que o exame perdeu sua função básica. "O Enem
é um termômetro do ensino médio e constitui um bom instrumento para aferir o
que os estudantes aprendem. Sua utilização para o acesso à universidade nada
mais é que um subterfúgio para atrair cada vez mais alunos, o que não tira o
mérito do resultado que traz", avalia.
O professor Victor Notrica,
diretor do Instituto Guanabara e do curso Miguel Couto, também concorda que o Enem é uma boa forma de avaliação, mas que não muda a
situação dos egressos na universidade. "Assim como o vestibular
tradicional, o Enem privilegia alguns estudantes.
Estes mesmos alunos, por estarem bem preparados, seriam selecionados para as
universidades pelos exames de seleção convencionais, de qualquer maneira",
afirma. Segundo Notrica, o mais decepcionante em
relação ao Enem é o fato de que as estatísticas
finais, a cada ano, mostram que o ensino médio continua em uma situação ruim.
"Como um instrumento de diagnóstico do desempenho dos alunos e das escolas
do país, os resultados do Enem têm demonstrado que
ainda estamos longe de um cenário satisfatório no ensino médio. Talvez seja
porque a prova não é regionalizada", sugere.
Uma só avaliação para todo o Brasil - O Enem é uma prova aplicada em todas as 27 unidades da
federação, com as mesmas questões. Neste domingo, ele será aplicado em 800
municípios. Apesar do que sugere o professor Victor Notrica,
o diretor do MV1, José Carlos Portugal, acredita que evitar a regionalização
das questões não atrapalha o sistema de avaliação proposto pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep),
que organiza o exame. "Mesmo a prova não sendo regionalizada, isso não influencia
a eficácia da avaliação. Do Oiapoque ao Chuí, há
conceitos básicos que permeiam o ensino médio em qualquer lugar. E a
aplicabilidade destes conceitos pode ser feita em qualquer circunstância. Uma
prova bem formulada independe dos aspectos regionais", defende José Carlos
Portugal. No ano passado, os dados do Enem mostravam
que, realmente, a situação no ensino médio é preocupante. Dos 3 milhões de
inscritos no exame, apenas 13,3% obtiveram notas consideradas boas na redação
(acima de 70 pontos) e, nas questões objetivas, este percentual caiu ainda
mais: apenas 4,9% dos alunos conseguiram somar mais de 70 pontos. A grande
maioria dos estudantes ficou com notas entre 40 e 70 na redação (75,7%) e com
notas abaixo de 40 nas questões objetivas.
Números assim levam os educadores a refletirem
sobre dois pontos: ou a prova não é bem elaborada ou o ensino médio não está
preparado para ela. Para o professor Victor Notrica,
não há dúvidas de que as provas do Enem são bem
elaboradas. Porém, ele acredita que o problema está no fato das questões serem
interdisciplinares, que não indicam para o aluno de que disciplina é o assunto
abordado em cada questão. "As provas não encontram resultados
satisfatórios porque, na maioria das escolas, a interdisciplinaridade ainda não
está plenamente desenvolvida", diz o diretor do Instituto Guanabara.
José Carlos Portugal, no entanto, acredita que a
culpa do mau desempenho dos alunos não é a interdisciplinaridade. "Nas
escolas, o conhecimento sempre será compartimentado, dividido em disciplinas,
porque não há outra forma de fazer isso. Nenhuma escola consegue hoje ser
‘multidisciplinar’. O que a banca do Enem faz – e
muito bem – é a fusão desses conhecimentos. Só que a interdisciplinaridade é um
cobertor curto, porque ela acontece apenas entre algumas disciplinas. Por
exemplo: questões que envolvem Matemática e Física ou Geografia e História. Não
se mistura Matemática com História", analisa.
Interdisciplinaridade também na sala de aula - O
coordenador do vestibular da Universidade do Rio de Janeiro (UniRio), professor Roberto Vianna, avalia que muitas
escolas de ensino médio estão dando mais espaço atualmente à
interdisciplinaridade, até mesmo por exigência da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), como também, em parte, devido ao sucesso crescente do Enem a cada ano. "Faço visitas constantes a escolas e
percebo um avanço nos projetos pedagógicos em relação a isso. A
interdisciplinaridade no Enem é muito positiva",
avalia.
A UniRio foi a
primeira instituição pública do estado a aceitar o resultado do Enem como uma forma de ingresso. Por enquanto, entre as
grandes universidades públicas, é a única. Na UniRio,
o aluno fica isento de fazer as provas tradicionais do vestibular, garantindo sua
vaga na universidade com bastante antecedência. Segundo Roberto Vianna, o fato
de as instituições de ensino superior aceitarem o Enem
como uma modalidade de acesso evidencia que o exame cumpre o seu papel de
avaliar e apontar os melhores estudantes do ensino médio. "A decisão
autônoma de mais de 400 instituições utilizarem o resultado do Enem indica de modo claro o aval que elas dão ao processo
de avaliação. Além disso, o exame é um importante referencial a cada estudante,
que encontra nele uma auto-avaliação que pode auxiliá-lo nas escolhas
futuras", ressalta o coordenador do vestibular da UniRio.
Desafios técnicos de um exame em nível nacional
- Após o Enem, o aluno recebe em casa um boletim de
desempenho. Nele, além da média final entre a redação e as questões objetivas,
estão contidas as informações sobre o seu desempenho em cada uma das cinco
áreas de conhecimento avaliadas pelo Ministério da Educação (MEC). Isso
permite, portanto, que o aluno saiba em que área está melhor preparado para
desenvolver-se no ensino superior. Em relação à prova, Roberto Vianna avalia
que o trabalho desenvolvido pelo Inep é excelente.
"Medir as competências e habilidades indicadas, estruturar um exame dessa
natureza em nível nacional, promover o relacionamento entre os alunos, as
escolas de ensino médio e as instituições de educação superior é uma ação de
muita responsabilidade e que tem exigido esforços, cuidados, qualidade
acadêmica e pedagógica para que o trabalho seja realizado", elogia.