Enem começa a mudar as escolas

18/08/2011

 

Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), inicialmente, tinha como objetivo avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica. Pouco a pouco, algumas universidades começaram a utilizá-lo também como porta de entrada para o ensino superior. A grande mudança, no entanto, veio apenas em 2009, quando foi reformulado e adotado por diversas instituições, integral ou parcialmente, como forma de seleção para seus cursos de graduação. Segundo consta no portal do Ministério da Educação na internet, diferente das tradicionais provas de vestibular, que promovem uma excessiva valorização da memória e dos conteúdos em si, o Enem não mede a capacidade do estudante de assimilar e acumular informações, e sim o incentiva a aprender a pensar, a refletir e a "saber como fazer". Valoriza, portanto, a autonomia do jovem na hora de fazer escolhas e tomar decisões. Assim, coloca o estudante diante de situações-problemas e pede que mais do que saber conceitos. Ele avalia, sobretudo, se o aluno sabe aplicá-los.

 

Com esse novo modelo, torna-se pouco eficiente pensar no exame apenas no final do ensino médio, no ano de prestar vestibular. Por isso, muitas escolas decidiram começar a adaptar o ensino, desde cedo, para alunos que ainda estão no ciclo básico, ao novo olhar de habilidades e competências do Enem. Uma delas é o Colégio Miguel Couto, onde alunos do 6º ano do ensino fundamental até a 1ª série do ensino médio têm, uma vez por semana, uma aula extra de Língua Portuguesa e Matemática com um material didático específico elaborado com base no Plano de Desenvolvimento de Educação do MEC. O nome do programa é "Pré-Enem". De acordo com Vicente Lo Prete, diretor pedagógico do Miguel Couto, os estudantes não estão acostumados com o modelo da prova do Enem e, por isso, ao fazê-lo pela primeira vez se assustam, pois é um exame longo e cansativo. Trabalhar isso desde cedo pode ser um diferencial para que os alunos tenham um bom desempenho. Entretanto, o educador garante que o foco não é apenas a aprovação no vestibular, mas sim a formação cultural e cidadã dos estudantes. "As pessoas precisam tomar ciência que não importa a forma como é perguntada a questão, mas sim a formação que o aluno tem. Ele precisa ter uma bagagem cultural saber atualidades. A exigência          da prova resulta do conhecimento que o aluno tem. Precisamos fortificar a base. Não é o Enem que fará isso. É o conhecimento que o aluno adquire. Com boa formação, ele poderá ir bem em qualquer prova. Caso contrário, não há milagre que ajude", comentou.

 

"Iniciar trabalho no ensino médio não é suficiente" - Outra instituição que vem adaptando seu ensino aos moldes do Enem é o Colégio Alfa CEM Bilíngue, que trabalha em um projeto chamado "Enemzinho" para seus alunos desde o ensino fundamental II. Bimestralmente, aos sábados, os estudantes participam de um simulado baseado na Teoria de Resposta ao Item, mesmo processo utilizado pelo Enem. A pontuação também é semelhante e cada questão possui um valor diferente. Ao final, ele receberá uma nota que, de acordo com uma tabela, acrescentará ou não uma bonificação em sua média. Além disso, o material didático segue o mesmo caminho, com ênfase na parte prática do conhecimento, através da criação de situações-problema para, a partir daí, desenvolver o conteúdo. Segundo Cosme Cunha, coordenador do pré-vestibular do Alfa CEM, a tendência é que todas as escolas busquem adequar seu ensino ao modelo. Para ele, as instituições perceberão que iniciar esse trabalho apenas no ensino médio não é o suficiente, pois acaba sendo uma maquiagem. "A proposta, na verdade, é maior. É uma mudança da visão da educação. Trabalhar só no ensino médio cria um hiato gigantesco em relação ao ensino fundamental. O objetivo é a reformulação da educação, dos princípios de sala de aula, do material que se usa e da forma de se apresentar o problema. Isso perde a lógica se for feito apenas no ensino médio", disse, lembrando que não é um trabalho voltado especificamente para o desempenho dos alunos no Enem. "O resultado no exame vem como consequência", completou.

 

Para o educador, a primeira medida que as escolas devem adotar nessa adaptação é a preparação dos professores. Se bem feita, a mudança será extremamente proveitosa para os alunos, que passarão a aprender com aplicação prática, em problemas comuns do seu cotidiano, aquilo que só viam nas teorias dos livros. "Isso muda completamente o olhar do estudante, que passará a ter mais curiosidade e vontade de       pesquisar. Como os problemas tratam de situações reais, vividas por eles, terão maior interesse e, consequentemente, melhora no aprendizado", opinou.

 

"Aluno precisa compreender para que serve o conhecimento" - No Colégio Pensi, todo conteúdo pedagógico também vem sendo adaptado ao Enem. Segundo Márcio Branco, diretor pedagógico da instituição, o trabalho é feito, principalmente, pela noção de educação moderna. De acordo com ele, o Enem exige que os alunos interajam com a prova e conheçam a aplicação de seus conhecimentos. Por isso, ele destaca a importância de fazer com que os alunos entendam para que servem os conhecimentos adquiridos na prática. "Quem não é educador talvez não note isso, mas pode ter certeza que a criança é muito mais apta do que as pessoas imaginam, pois são abertas a descobertas. Queremos que, desde cedo, eles problematizem a realidade e isso vai de encontro ao Enem. Sempre quis que meus alunos tivessem uma prova assim, interpretativa, que não é decoreba e que os obriguem a interagir com as informações", falou. Para o coordenador, não há como fugir do adestramento, praticado por muitos educadores, que visa treinar seus alunos para um determinado tipo de prova. Porém, na sua opinião, o modelo do Enem, apesar de não coibir, inibe a prática. "A questão é que quando consigo treinar meu aluno para fazer uma prova interpretativa, não estou 'burrificando' como fazia com provas de modelos anteriores, quando bastava pegar uma fórmula e aplicar. Não adianta dizer que não vai acontecer, mas é certo que não serão tão eficazes, pois é preciso interpretar textos e questões", analisou, fazendo uma ressalva ao poder de mercado adquirido pelo Enem. "Se virar a única porta de entrada nas universidades, o governo acaba tendo o controle sobre o que ensinar no Brasil. É um poder muito grande", disse, preocupado.

 

Especialista em educação é a favor da adequação - Mirian Paura, professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), aprovou a iniciativa das escolas. De acordo com ela, o novo modelo vai de encontro à formação de estudantes mais conscientes, além de proporcionar uma oportunidade de reflexão sobre a educação.

 

FOLHA DIRIGIDA — Muitas escolas estão com projetos de adaptar seu ensino ao modelo da prova do Enem. Qual é a opinião da senhora?

Mirian Paura — Não tenho absolutamente nada contra isso. Da mesma maneira que algumas escolas já direcionam seus alunos para o estudo de línguas, elas procurarão adaptar sua filosofia às reais necessidades, no caso o Enem, principal vestibular e porta de entrada ao ensino superior. O Enem propicia uma nova leitura do conhecimento. Não apenas o de decorar e aprender forma, mas um conhecimento mais conceitual, formulador de princípios. A escola não é só para ensinar a ler, escrever e contar, mas para formar sujeitos capazes de transformar o seu tempo e abrir caminhos para um Brasil cada vez melhor.

 

Esse novo modelo contribui para a formação de alunos mais críticos e conscientes?

Se a escola se preocupar apenas com as questões que vão cair no vestibular, estará fazendo com que os alunos sejam aprendizes de um determinado conhecimento. Para ser diferente, é preciso haver um espaço dentro da escola para ser trabalhado todo tipo de questão. Ficar apenas ensinando as matérias como se fosse uma coisa casuística será apenas uma escola que tentará cumprir o papel de ensinar. Não terá um diferencial.

 

Mas os professores estão preparados para isso?

Acho que não. Também caberia a nós professores um momento de reflexão que permita um novo olhar sobre essa educação, que não se dá apenas pelo conhecimento, mas também pela compreensão do processo. Nós deveríamos ter a oportunidade de aprendermos essa nova visão da educação que não se limita aos conhecimentos que são cobrados no vestibular, mas que compreende as dinâmicas e a teia que se forma.

 

Existe o risco de ocorrer o mesmo condicionamento que acontecia no vestibular e que sempre foi tão criticado?

Sim. Posso treiná-los para serem bem sucedidos na prova. Entretanto, ficarei com uma escola muito pobre. De um modo geral, os colégios que mais aprovam alunos no vestibular, também tratam do outro lado, da parte da cultura e da formação do sujeito. Quero que sejamos capazes de ensinarmos nossos alunos e também aprendermos com eles, que possamos prepará-los não apenas para serem bem sucedidos nas provas, mas também na vida.

 

Que impacto esse novo olhar terá na educação?

Há uma mudança de um modo geral. E a gente vê isso como acontecimentos que não estavam previstos, mas aconteceram. Assim, acabamos não investindo em cima disso. Precisamos formar nos alunos uma nova concepção para um novo tempo.

 

Folha Dirigida

Thiago Lopes