Enem 2011: O que pensam os estudantes?
24/05/2011
Há dois anos,
o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), desenvolvido pelo Ministério da
Educação (MEC), passou por uma reformulação marcante. A prova, antes utilizada
apenas como método de avaliação do ensino médio, teve seus horizontes
estendidos. Nomeado como "novo Enem", ficou atribuido
à avaliação nacional também o papel de servir como passaporte de entrada para
as principais universidades do Brasil. Para uns, trata-se de um projeto
ambicioso. Para outros, essa é uma tentativa de democratizar o acesso ao ensino
superior. E para os jovens, qual é a cara do Enem? Desde as mudanças feitas no
objetivo inicial do exame, instalou-se uma preocupação por parte de educadores,
instituições de ensino e demais autoridades em avaliar de forma criteriosa o
perfil que o Enem ganhou - bem como sua utilidade prática. Mas pouco se falou
sobre o que pensam os mais interessados, e até mesmo, os mais influenciados
pela avaliação: os estudantes.
Na última
semana, o MEC divulgou o Edital do Enem 2011, no Diário Oficial da União (DOU).
As inscrições para o processo seletivo abriram nesta segunda, 25, e aqueles que
estiveram mais atentos ao documento publicado, já puderam perceber que, assim
como nos anos anteriores, o exame apresenta também nesta edição algumas
novidades. Uma delas é em relação à logística. Para evitar que erros como o
ocorrido no ano passado se repitam, serão implantadas inovações no processo de
impressão. De acordo com o MEC, um novo dispositivo eletrônico será instalado
na gráfica para detectar possíveis erros de impressão e impedir que provas com
defeito sejam entregues aos alunos. Apesar da medida tranquilizar
um pouco mais os alunos, o típico sentimento de insegurança tem dado lugar à
ansiedade. A grande questão dos alunos não é nem quanto ao Enem deste ano, mas
sim ao que está por vir em 2012. No último dia 20, uma portaria publicada no
DOU pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio teixeira (Inep),
responsável pela execução do exame, informou que ano que vem haverá duas
edições do exame, uma em abril e outra prevista para novembro. Para a maioria
dos estudantes, a
medida é desnecessária e poderá prejudicar os participantes que ainda estão em
fase de conclusão do ensino médio, já que estes não terão visto todos os
assuntos que compõem o conteúdo programático do processo seletivo.
"Estudamos o ano inteiro para, no final, fazermos a prova. Neste caso,
grande parte dos inscritos, que ainda estão no 3º ano e estudam com base no
cronograma das escolas, será prejudicada e ficará em desvantagem", diz Priscilla Borges, de 18 anos, que fará o exame pela segunda
vez e deseja ingressar em Jornalismo.
Com mais
exames, maiores possibilidades de problemas - No entanto, há alguns que
discordam. Para Eduardo Coutinho, de 18 anos, que pretende disputar vagas em
cursos de Direito, a aplicação de dois exames por ano pode ampliar as chances
dos candidatos, principalmente dos mais inexperientes, que terão contato com a
prova pela primeira vez. "Vai ser bastante vantajoso porque será mais uma
oportunidade para quem não conseguir obter um bom desempenho em uma das provas.
Acredito que eles tenham levado em conta que este é um exame de muito peso e
que se o candidato não estiver muito bem no dia, por exemplo, pode colocar tudo
a perder", afirma. Contudo, ele destaca que problemas de organização que
hoje já representam uma ameaça, podem se intensificar com a realização de duas
edições. "Se com um, eles já não dão conta do padrão de organização, a
tendência é que todos os problemas venham em dobro. Será necessário um
investimento maior. Caso contrário, os vestibulandos é que vão acabar arcando
com as consequências, como sempre", critica.
Questionados
sobre o modelo de prova do Enem, os alunos respondem com propriedade. Nas salas
de aula, nos corredores e na internet, a opinião é quase unânime. A maioria vê
o exame nacional como um verdadeiro teste de resistência. Para estes jovens, o
exame, que deveria ser um avaliador de conhecimento, se tornou utilizado em sua
função de selecionar os melhores estudantes, que até mesmo seu papel
tradicional, o de avaliar a evolução do ensino médio, anda esquecido. Isso
preocupa a estudante
Gabrielle Lima, 17 anos. Ela, que pretende cursar
Biologia, está se preparando para o Enem e afirma ter medo de perder mais um
ano de estudo caso não tenha o desempenho esperado na prova.
"Universidades que mantiveram seus vestibulares fazem uso de muito menos
questões. E, mesmo assim, qualificam suas provas. O Enem é um exame muito
grande, com 90 questões em cada dia. O que percebo é que o MEC acaba não sendo
honesto com aquele candidato que se preparou e que domina os assuntos, mas sim
com aquele que consegue ter mais rapidez e resistência física e psicológica
durante a prova", frisa.
Christian Pancione, de 17 anos, concorda com Gabrielle.
O jovem, que pretende usar a nota do Enem para entrar em Física, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), faz elogios ao nível das
questões, mas tece reclamações quanto à forma como a avaliação é elaborada.
"O Enem faz uma conexão entre várias matérias e isso é muito bom, pois os
conteúdos realmente se correlacionam. O problema é o número exagerado de
questões. O tempo acaba sendo um vilão, o que acaba deixando o candidato muito
tenso. Para ter sucesso na prova, a alternativa que tomei é estudar
interpretação, já que a maior parte dos enunciados apresenta texto, muitas
vezes, bem grandes. Espero que isso ajude", relata. Além da extensão da
prova, outro fator que altera os ânimos dos alunos são os critérios de correção
de prova. Apesar de o MEC liberar o acesso às informações sobre o método de
avaliação do exame - feito com base na Teoria de Resposta ao Item (TRI), um
sistema capaz de analisar as questões que o estudante respondeu corretamente e
dar um peso específico para cada acerto - os estudantes revelam ainda terem
dúvidas sobre as regras básicas de pontuação das questões e se sentirem, até
mesmo, injustiçados em alguns momentos. "Já conversei com amigos sobre
isso e todos achamos a correção muito confusa. Para
mim, ou eles deveriam dar um valor maior às questões que eles consideram mais
difíceis, ou então, aplicar uma pontuação nivelada. O que não pode é ser uma
correção aleatória, como vem sendo", comenta João Paulo Silveira, de 17
anos, que fará este ano o Enem pela segunda vez.
Em xeque, a utilização do Enem no
lugar do vestibular
Nos últimos
anos, dois episódios marcaram de forma negativa o trabalho de segurança realizado
para que a aplicação do Enem em todo o Brasil fosse executada de forma correta:
o vazamento da prova em 2009, que culminou no cancelamento dos exames pelo MEC,
nas vésperas da data marcada para o exame; e o problema de impressão em 2010,
no qual um lote de 21 mil cadernos da prova amarela apresentou problemas de
montagem. Tais acontecimentos têm gerado um descrédito da comunidade discente
em relação ao Exame, que faz com que estes alunos julguem impossível a
possibilidade do Enem substituir o vestibular integralmente. Apesar disso, os
jovens afirmam que um aprimoramento da prova, principalmente na maneira como
ela é elaborada, surtiria resultados positivos na aproximação dos candidatos do
exame nacional. É assim que pensa Eduardo Coutinho. "O exame ainda tem muitas
falhas, mas se ele melhorar o seu nível de correção e o modelo de prova,
certamente ele poderá substituir vestibulares de faculdade que consideramos
gabaritadas. Mas isso só será concreto a partir do momento que estes erros
deixem de prejudicar aqueles que estão realmente preparados", pontua. Para
Christian Pancione, o Enem não é ruim, mas precisa
aprimorar alguns pontos. "O Enem é bom, mas do jeito que ele está não
seria válido usá-lo para substituir todo um vestibular como fazem UniRio e Rural. Para começar, eles
deveria ter uma correção padrão e não tão subjetiva como é hoje".
Em contrapartida, há quem ache que o Enem não deveria substituir integralmente os vestibulares em nenhuma hipótese. De acordo com Gabrielle Lima, isto colocaria em risco processos seletivos tradicionais, que funcionam bem até hoje, como o exame de qualificação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). "Como método parcial de ingresso, acho que o Enem funciona bem. Mas fazer dele uma seleção única é dar responsabilidade demais a um só órgão. Já como primeira fase, ele é ótimo, pois permite que a gente se concentre mais nas matérias específicas", afirma. Já o estudante João Paulo Silveira, se apresenta totalmente oposto à ideia. E vai mais fundo na sua avaliação. "O Enem não cumpre bem nenhuma das suas funções. Ele é ineficiente tanto para avaliar como para selecionar. Ele se preocupa somente com o processo eliminatório, como os demais concursos. Considero o método anterior a melhor opção, pois as universidades podiam elaborar cada uma a sua prova, com base no seu estilo e suas prioridades. Um exame que não leva em conta nem as variações regionais não pode ser unificado", defende.
Folha Dirigida, Rio de Janeiro RJ