Em defesa do Enem

Vários países da Europa, os Estados Unidos, a China, a Coreia do Sul e o Japão vêm aplicando exames semelhantes há vários anos

 

Instituído em 1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso, mantido no governo Lula e defendido, com veemência, por Dilma Rousseff, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) vem comprovar que, quando políticas de Estado suplantam as vaidades de políticas de governo, o país se torna o grande vencedor. Por isso, quando a atual presidente veio a público recentemente, depois de eleita, reafirmar a determinação de desenvolver ações que visem à melhoria efetiva da educação brasileira, tendo, como objetivo, situar o Brasil entre os países realmente desenvolvidos, um indisfarçável otimismo animou os educadores, pois, além de ser tratada com a importância que merece a questão educacional, finalmente, deixa o plano meramente verbal para se tornar uma prática efetiva. Criado inicialmente com a finalidade de avaliar anualmente o ensino médio em todo o país, o Enem cumpre também o papel de auxiliar o Ministério da Educação (MEC) a elaborar políticas pontuais e estruturais para aperfeiçoar o ensino brasileiro.

A adesão dos estudantes, inicialmente, foi tímida: em 1998, apenas 157.221 se inscreveram para o exame. Contudo, com a estratégia de vincular, por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni), a concessão de bolsas nas universidades particulares ao desempenho no Enem, em 2004, as inscrições ultrapassaram 3 milhões. Em 2009, com a adesão quase maciça das instituições de ensino superior à proposta do MEC de utilizar o exame como vestibular único, com um novo formato, o interesse dos estudantes cresceu ainda mais e, em 2010, as inscrições chegaram a 4.661.441. Sem dúvida, a evolução do Enem, culminando com o novo modelo posto em prática em 2009, representa um passo importante para o avanço da educação no Brasil.

Centrado em competências e habilidades, o novo exame veio causar enorme impacto nas instituições de ensino médio, obrigando-as a reformular os conteúdos curriculares e a qualificar seus professores para uma nova realidade. Os ecos dessa mudança, inevitavelmente, se refletirão no ensino fundamental, contribuindo de modo significativo para a definição da política educacional em todos os níveis. Além disso, como vestibular único, o Enem, poupa os estudantes da maratona de provas e viagens a que se submetiam anteriormente ao se candidatar às vagas de diferentes universidades.

Substituindo também os exames do antigo supletivo, o Enem constitui uma grande oportunidade para que as pessoas afastadas dos estudos possam obter o certificado do ensino médio, importante por muitos motivos. Aparentemente injusto, pois os alunos do Sul e do Sudeste, donos dos melhores resultados em todas as edições do exame, abocanham as vagas dos cursos mais competitivos, na verdade, o Enem mostra, com clareza, que as demais regiões precisam aprimorar o ensino das escolas públicas e privadas a fim de tornar mais homogêneo o nível do ensino no país. Contudo, seria ingenuidade pensar que um projeto tão amplo e ambicioso não apresentasse problemas. Eles apareceram logo em 2009, gerando tensão e preocupação em milhões de alunos e suas famílias. Inicialmente, houve a quebra do sigilo das provas, provocando o adiamento do exame,            o que gerou uma grande frustração nos estudantes e ocasionou uma desistência que chegou a 37,7%. Em seguida, as respostas foram divulgadas com erros, suscitando uma onda de indignação. Em 2010, causou revolta o vazamento de informações sigilosas dos inscritos e, durante a aplicação do exame, vários erros em um dos cadernos acabaram provocando a intervenção da Justiça, o que levou algumas universidades a desistirem do Enem.

Porém, esses problemas não podem empanar as vantagens que o Enem oferece e não podem levar à conclusão de que o MEC está tentando dar passos maiores que as próprias pernas. Vários países da Europa, os Estados Unidos, a China, a Coreia do Sul e o Japão vêm aplicando exames semelhantes há vários anos. A própria Unesco – órgão das Nações Unidas para a cultura, ciência e educação – apressou-se em defender o Enem ao surgir um impasse em 20l0, quando a Justiça o suspendeu, ameaçando anulá-lo. Mas, planejamento e execução mais cuidadosos podem eliminar esses deslizes. Talvez, considerando as dimensões continentais do Brasil, uma das providências que viriam a minimizar a ocorrência de problemas seria a regionalização da aplicação das provas, cuja logística seria determinada por comissões integradas por profissionais das universidades federais, que têm longa experiência neste tipo de concurso. De toda maneira, a própria sociedade deve ser a primeira a sair em defesa do Enem, pois ele representa um significativo passo na conquista de uma educação de qualidade para todos os brasileiros, condição indispensável para o verdadeiro desenvolvimento do país.

 

Estado de Minas, 14/03/2011 - Belo Horizonte MG

Eldo Pena Couto Educador, diretor do Colégio Magnum Cidade Nova (BH)