Jornal da Tarde, 13/03/2003 - São Paulo SP
Educação é coisa séria
Há algum tempo, o presidente do Federal Reserve, o banco central americano, compareceu ao Congresso dos Estados Unidos para apresentar um relatório aos membros daquela Casa. Dentre os assuntos abordados constava a preocupação do Banco Central com a educação que os alunos de primeiro e segundo graus dos Estados Unidos estavam recebendo em matemática. Alan Greenspan, o chefe do Fed, afirmou que se os americanos não tivessem bons conhecimentos de matemática, a economia americana poderia ser prejudicada em futuro não muito distante.
Ontem os jornais trouxeram um diagnóstico do ensino brasileiro preparado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep). O resultado do estudo, que trata de rendimento escolar, infra-estrutura das escolas e salário dos professores, é descrito como calamitoso. Para se ter uma idéia da situação, de cada 100 alunos que ingressam no ensino fundamental, 41 deixam a escola sem completá-lo. Em média, os alunos gastam 10,2 anos para completar apenas esta etapa do ensino, tempo que seria suficiente para estudarem até a fase pré-vestibular. Os dados são estarrecedores e, acreditem ou não, sofreram melhora nos últimos anos.
Como o País enfrentará a concorrência de nações como EUA e Europa no cenário internacional? Como é que pessoas que não sabem ler aprenderão a manejar uma máquina? Como melhorar a vida sem saber se expressar, escrever uma simples mensagem ou ler um manual, isto para ficar somente nas atividades básicas?
Há uma falta de educação generalizada no País. Não somente a apresentada no relatório do Inep, como também a que é característica daqueles que receberam educação formal.
É o dirigente de time de futebol que invade o campo e agride o juiz, é o vizinho que faz uma festa no fim de semana e toca música em alto volume, é a pessoa que entra no elevador sem esperar a saída de quem está dentro, são os horários e compromissos não cumpridos, e assim por diante. Estes atos vistos isoladamente parecem desprezíveis, mas se somados aos milhares que ocorrem no dia-a-dia dos brasileiros, são um inferno.
O próprio desastre que o chamado Programa Fome Zero tem se revelado é um exemplo da falta de cultura administrativa do País. Uma coisa é ir à tevê e solicitar doações de dinheiro e alimento, outra é fazer os recursos chegarem aos necessitados. No caso do Fome Zero, no entanto, a incompetência superou o inimaginável. Imagine o leitor que os responsáveis pelo programa saíram pedindo doações, mas até agora não pensaram em abrir uma conta no banco. Dá para acreditar?
Se o leitor se der ao trabalho de observar, os grandes problemas do Brasil se resumem à falta de organização, de administração ou de gerenciamento. A corrupção, da mesma forma, só bate recordes no País porque não há uma fiscalização eficiente e o sistema jurídico é uma bagunça. Novamente, falta de cultura administrativa. A nossa própria história recente tem muito disso. Em 1970, cantávamos alegres a música 90 milhões em ação sem imaginar que no início daquele século éramos em torno de 30 milhões de almas. Já em 2002, pouco mais de 30 anos depois do tricampeonato somos quase 200 milhões. Qual é o País que suporta um aumento populacional desses em tão curto espaço de tempo. É preciso fornecer escola, alimentação, emprego, etc., para milhões de pessoas. Em uma economia como a nossa, que possui tantos gargalos, a tarefa é inviável. O que foi isso se não falta de planejamento? Tivéssemos sido suficientemente organizados alguns anos atrás e nossos problemas seriam bem diferentes hoje.
Pensando nisso tudo, o resultado do estudo do Inep se torna ainda mais preocupante. A educação de qualidade é a única forma de o País minimizar seus principais problemas. Teremos de conviver com nossos erros por um bom tempo, não se iludam, mas é possível ter alguma esperança, desde que haja persistência e seriedade de propósitos no quesito educação.
Os países civilizados também têm problemas nesta área. A própria cidade da Filadélfia, considerada o berço dos Estados Unidos, tem apresentado problemas na educação fundamental. Basicamente, a qualidade de ensino das escolas públicas caiu muito na cidade. Os pais de alunos e as organizações semelhantes às associações de pais e mestres no Brasil estão buscando soluções.
Um ponto positivo por aqui é que tanto no governo Fernando Henrique quanto no governo Lula o Ministério da Educação foi bem aquinhoado. Se não de recursos, pelo menos na qualidade dos seus titulares. Os ministros Paulo Renato e Cristovam Buarque são do ramo. Resta saber se os recursos disponíveis serão utilizados da forma mais eficiente. Opa, alguém falou em administração eficiente? Vejam só, prezados leitores, como acabamos sempre voltando para o mesmo ponto.
Emílio Carlos Dantas Costa é mestre em Finanças pela FGV-SP (com Program for International Management na Universidade de Michigan), ex-participante do Programa Minerva em Washington, D.C. e professor do Ibmec