‘Dilma
Rousseff tem clareza do que pretende’, diz Marilena Chaui
09/12/2011
A
filósofa e historiadora paulista Marilena Chaui
esteve nesta semana em Porto Alegre a convite da Câmara Municipal para uma
palestra seguida de debate. Antes do evento, a professora atendeu ao Jornal do
Comércio e avaliou que a presidente Dilma Rousseff
(PT) irá "tirar de letra" a série de denúncias de corrupção que
atinge ministros do seu governo e as mudanças nos integrante da sua gestão.
"Ela (Dilma) tem uma clareza enorme do que pretende e qual o comportamento
político exigido. Tem uma ética não na política, mas da política. E não
titubeia."
Fundadora
do PT, Marilena também destacou avanços no Brasil desde a redemocratização e
identificou na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a
consolidação de políticas públicas de reconhecimento à cidadania das classes
populares. A historiadora observou, no entanto, que ainda persiste na sociedade
brasileira um perfil autoritário e conservador. "Entre as várias maneiras
de conservar o mito da nossa não violência está o processo de inversão da
realidade, no qual aqueles que são vítimas da violência aparecem como agentes
dela. O MST e os movimentos sindicais, por exemplo, que são objeto da repressão
aparecem como sendo os agentes da violência."
Ativista
da democratização dos meios de comunicação, ela ainda defendeu a necessidade de
regulação e controle público. O Memorial da Câmara Municipal organizou uma
mostra em homenagem aos 70 anos de Marilena, com visitação aberta até 30 dezembro.
Jornal do Comércio -
Qual é sua expectativa do governo Dilma Rousseff?
Marilena Chaui - Ela vai transformar os programas estatais em
políticas estatais. Esse salto pelo qual o programa que pode desaparecer com a
mudança de governo não desapareça porque se torna uma política de Estado.
Incorporado pela institucionalidade estatal.
JC - Isso não está
sendo dificultado pelas sucessivas quedas de ministros acusados de corrupção?
Marilena - Acho que ela
vai tirar isso de letra. Ela tem uma clareza enorme do que ela pretende e qual
o comportamento político exigido. Ela tem uma ética não na política, mas da
política. Ela não titubeia. Mas sempre me perguntei por que nunca ninguém
vasculhou o Pérsio Arida (ex-presidente do Banco Central no governo FHC,
indiciado na Operação Satiagraha da Polícia Federal).
Eu diria que o grau máximo da corrupção no Brasil houve no governo Fernando
Henrique (Cardoso, PSDB), não foi no governo (Fernando) Collor (de Mello). A
corrupção foi feita na forma de ação político-governamental. Em nenhum lugar do
mundo você chama os assessores dos banqueiros para serem os seus ministros e
depois que eles saem do ministério voltam para o setor
privado. É inacreditável que ninguém veja esse modo de operação do PSDB como
corrupto.
JC - O Brasil vive uma
democracia ainda jovem. Quais os principais avanços desde a redemocratização,
em 1985?
Marilena - Fizemos em
30 anos um percurso que não foi feito em 500 anos. Atribuo isso ao fato de a
esquerda, nas suas várias tendências, ter se organizado fora do tradicional
padrão do pequeno partido de classe média, de intelectuais de vanguarda que vão
levar a boa consciência ao povo. Na hora que desistiu desse pedagogismo
e assumiu participar de uma ação que vem da sociedade, a esquerda deu um salto.
JC - Foi de baixo para
cima, a partir das camadas populares?
Marilena - Se você liga
isso à auto-organização social por meio dos movimentos sociais, sindicais e
populares, se tem uma estruturação da sociedade brasileira na qual ela diz
"eu existo e estou aqui com as minhas demandas e a minha tomada de posição
no espaço público".
JC - A senhora defende
que não existe o direito natural das massas, pois isso surge e só se consolida
através de um conflito.
Marilena - Se fosse
natural, um direito não precisaria ser declarado. Um direito é uma instituição
humana, uma criação, não é um dado da natureza. Isso aconteceu no Brasil nos
últimos 30 anos. O governo Lula foi o momento no qual todo esse processo que
ocorreu na sociedade brasileira ganhou finalmente a dimensão de política do
Estado.
JC - Como isso pode ser
caracterizado?
Marilena - Transformou
o clamor das exigências da sociedade numa política estatal, com os programas
econômicos e sociais ligados não só à inclusão, mas à criação da cidadania, da
afirmação efetiva. Os programas tiraram da miséria absoluta 42 milhões de
pessoas, é mais do que a Escandinávia, é quase o Canadá inteiro. É gigantesco.
Programas educacionais como o Prouni e o Proeja, pela
primeira vez, não trazem a ideia de que o Estado
presta algum serviço e faz alguns favores aos pobres. É o reconhecimento de que
existe uma classe social popular que é cidadã. Não impede, entretanto, que do
ponto de vista ideológico se mantenha uma concepção autoritária na sociedade
brasileira. Basta ver como os meios de comunicação tratam a informação.
JC - Qual é sua opinião
sobre a proposta do governo federal de criar um marco regulatório das
comunicações?
Marilena - Todos os
países democráticos têm os mecanismos e as leis de regulação da comunicação. O
Brasil é um dos pouquíssimos que não têm. Do ponto de vista da comunicação, o
Brasil é o Congo e o Sudão. Tudo que não pode, como
testar remédio que provoca câncer, se faz nesses países. E na comunicação, o
Brasil é como o Congo e o Sudão. E tudo - as críticas à regulação - em nome da
democracia, como se a democracia não supusesse regulação, controle e,
sobretudo, o direito do cidadão de produzir informação e controlar a
distribuição da informação, ou seja, a ideia de que
há o espaço público da opinião.
JC - As emissoras de
rádio e televisão, inclusive, são concessões públicas, o que legitimaria a
regulação.
Marilena - Isso que eu
chamo de autoritarismo da sociedade brasileira. Tá entranhado. Digo que para
tirar só a fórceps. Então, há o sol, o ar, a água, a inferioridade dos negros,
a indolência do índios, a sensibilidade excessiva das
mulheres e por aí vai. O fato de haver políticas relacionadas à questão do
racismo não significa que ele diminuiu. O que há são políticas que apontam o
racismo como algo inaceitável. O mesmo com relação à questão da sexualidade,
como o debate em torno da homofobia. O fato é que há um caminho político
avançado que se choca com uma composição ideológica atrasada, conservadora e
autoritária da sociedade brasileira. Todo esse tecido de um senso comum
corroído pelo conservadorismo é o núcleo do pensamento da sociedade brasileira.
É isso que é violento.
JC - A mídia tem
contribuído para reforçar esses aspectos?
Marilena - Entre as
várias maneiras de conservar o mito da nossa não violência está o processo de
inversão da realidade, no qual aqueles que são vítima da violência aparecem
como agentes dela. O MST e os movimentos sindicais, por exemplo, que são objeto
da repressão, aparecem como sendo os agentes da
violência. É um mecanismo importante no Brasil. O mesmo ocorre nos meios de
comunicações. A ideia de que o controle cidadão da
comunicação é democrático acaba sendo invertida e aparece como atitude
autoritária e conservadora que cerceia a liberdade da informação. É
inacreditável. Não há nada mais violento do que isso.
Paula Coutinho
Fonte:
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=80947