Déficit de profissionais no ensino médio é agravado pela inclusão de
novas disciplinas, como sociologia e música
13/06/2011
BRASÍLIA e
RECIFE - Professora há 22 anos e licenciada em história, a pernambucana Letícia
Oliveira de Assunção Nascimento é hoje um dos muitos professores multiuso
existentes no país: dá aulas não só de história, mas também de filosofia e
sociologia no escola estadual Leonor Porto, em São
Lourenço da Mata, a 22 quilômetros de Recife: - Ensino também em outros colégios,
e perco tempo pesquisando e estudando filosofia e sociologia, quando poderia
estar planejando melhor minhas aulas de história. A qualidade do ensino cai
muito. Leis aprovadas pelo Congresso acrescentaram quatro disciplinas aos
currículos do ensino médio nos últimos anos: filosofia, sociologia, música e
espanhol. Mas, se já faltam professores para disciplinas tradicionais como
física e química, para as novas o problema é pior ainda. Sem professores de
sociologia e filosofia, secretarias de Educação ouvidas pelo GLOBO informaram
que recorrem a docentes de outras áreas, como história
e pedagogia. É o que ocorre em estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Há
ainda contratações em regime temporário, em estados que não fizeram concursos
públicos específicos.
Diretora do
MEC admite déficit - A diretora de Currículos e Educação Integral do Ministério
da Educação (MEC), Jaqueline Moll, admite que faltam professores para as novas matérias, incluindo música e espanhol. Mas defende a atuação do
Congresso, afirmando que há esforço conjunto de União, estados e municípios
para reverter o quadro: - Nada em educação ocorre de um dia para o outro. As
leis nascem de uma vontade, uma necessidade e vão fazendo com que a realidade
seja construída. Filosofia e sociologia são obrigatórias e devem ser oferecidas
separadamente. Música, também obrigatória, foi incluída como novo componente de
artes, dividindo a carga horária com artes plásticas e cênicas. Espanhol só é
obrigatório em escolas, que têm de oferecê-lo. A matrícula é opcional. A lei
que torna o ensino de filosofia e sociologia obrigatório foi aprovada em 2008.
O Conselho Nacional de Educação orientou que a oferta se iniciasse no 1 ano, em 2009; no 2, em 2010; e no 3, em 2011. Dados do Inep, órgão do MEC, mostram que, com base no censo escolar
de 2010, 84% dos alunos frequentavam escolas com
filosofia na grade; em 2008, eram 49%. No caso de sociologia, o percentual
estava em 80%; e, em 2008, era de 29%. Na rede estadual, o percentual em 2010
era 85% em filosofia e 82,5% em sociologia. Curiosamente, os índices de oferta
das duas disciplinas eram menores na rede privada: 78% (filosofia) e 69%
(sociologia).
A lei que
tornou o ensino de música obrigatório foi aprovada em 2008, com prazo de três
anos para implementação, e vale para toda a educação
básica. Segundo o Inep, só 59% dos alunos de ensino
médio tinham artes no currículo ano passado. Em tese, o percentual de turmas
com ensino de música seria menor. O Inep diz também
que só 41% das escolas ofereciam espanhol, obrigatório desde 2005. Em nota, a
Secretaria de Mato Grosso do Sul diz que a falta de professores atinge todo o
país. A titular da pasta, Maria Nilene Badeca da Costa, é presidente do Conselho Nacional de
Secretários de Educação (Consed). Educadores divergem
sobre a conveniência de novas disciplinas. Do Conselho Nacional de Educação,
onde foi relator das recém-aprovadas Diretrizes Nacionais do Ensino Médio, José
Fernandes de Lima critica:
- Uma coisa é o Congresso definir que determinado assunto tem de ser tratado nas escolas. Outra é dizer que temos de criar uma disciplina, o que requer profissional com licenciatura na área. Vai contra a ideia da LDB (Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional), de que as escolas precisam organizar seu projeto. O presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul, Jaime Teixeira, considerou positiva a inclusão de filosofia e sociologia no currículo. Mas afirma que a falta de professores levou a rede sul-matogrossense a chamar até universitários para lecionar: - Escola não é só para aprender a ler e escrever. É para aprender a pensar.
Demétrio Weber e Letícia Lins
O Globo, Rio de Janeiro RJ