Certificação: Mais uma atribuição do Enem

Ana Paula Pinto

Folha Dirigida, 23/02/2010 - Rio de Janeiro RJ

 

A partir deste ano, o aproveitamento das notas do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) também servirá de base para a obtenção do certificado de conclusão do Ensino Médio. Ou seja, o antigo Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), foi substítuido pela nota do Enem. A medida adotada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), porém, está gerando discussão, já que uma boa nota no Enem pode garantir a conclusão do ensino médio para aqueles que estudam através da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Uma outra questão relevante seria o fato deste substituição desestimular alguns alunos a prosseguir com os seus estudos, já que garantem, automaticamente, um diploma que poderá ser usado para conseguir um emprego ou realizar um concurso público. Para alguns educadores a medida pode ser nociva à melhoria da educação já que, na visão deles, a substituição do Encceja pelo Enem pode provocar um atropelamento no ciclo natural da educação. O professor Marcelo Côrrea e Castro, diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ), é um dos profissionais da educação que pensam assim. Ele também faz uma crítica ao sistema de certificados.

"Esta lógica do Encceja representa um desvio histórico da educação brasileira. O que está ocorrendo é a troca do ensino pelo certificado. Acredito que este sistema esteja criando um dilema entre a aprendizagem e a conclusão de um ciclo de ensino", critica o professor. Para ele, o novo sistema de certificação é reflexo de um desinteresse pela aprendizagem. "Não há uma preocupação em saber como o aluno chegou àquele estágio de ensino, e sim se ele irá passar, ou não, no exame. Não é uma prova que irá avaliar o que ele aprendeu em três anos de ensino médio. O governo está desobrigando as instituições de ensino a ensinarem, eles fazem muitas medidas de impactos de números, mas faltam medidas que causem impacto na qualidade de ensino", reclama o educador. Marcelo acredita que a solução ideal para que o aluno possa concluir integralmente os seus estudos e conseqüentemente não precisar de um certificado, é a melhoria  na educação. "Acho que o Brasil perdeu, nesses oito anos de governo do presidente Lula, uma grande oportunidade de fazer um investimento pesado na educação básica. Não se pode abreviar a educação com certificados e sim investir na educação desde o ensino infantil.

Também é preciso investir mais na educação de jovens e adultos que está muito empobrecida, fraca", conclui. O professor Fabiano Félix, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), faz coro a Marcelo. Para ele, este sistema pode ser um desestímulo aos alunos. "Ninguém é a favor desta substituição, todos nós, educadores, queremos questionar o Estado. O que o governo está fazendo com o Enem é um incentivo ao aluno não querer estudar mais, não concordo com esta medida. Estamos retrocedendo cada vez mais", lamenta o professor. Félix não acredita que os alunos de EJA possam ter um bom desempenho no Enem, ainda mais porque eles estão concorrendo com alunos melhor capacitados. "Esses estudantes de EJA fazem esta prova juntamente com alunos que se preparam bem, fizeram um bom curso e esses alunos muitas vezes estudam em condições adversas. É preciso primeiramente diminuir a taxa de analfabetismo, dar condições de estudo para esses jovens", afirma o professor.

Na direção contrária dos educadores, está o professor Waldeck Carneiro. Waldeck, que é diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), pensa que a substituição do Encceja pelas notas do Enem pode ser um estímulo, mas faz algumas ressalvas. "Acredito que esta medida, por um lado, possa ser um estímulo às instituições de ensino que oferecem o curso de EJA, um incentivo também ao aluno, para que ele possa aprofundar os estudos e, num longo prazo, a instituição possa aprimorar o ensino. Porém, para que isto ocorra, é necessária a criação de políticas que pressionem as escolas, para que elas ofereçam melhores condições de ensino. Mas creio que esta nova forma de se obter o certificado possa, num longo prazo, ajudar a trazer uma melhoria na qualidade nas escolas de EJA", diz.  Para Paulo Roberto Corbucci, técnico de Planejamento e Pesquisa de Estudos e Políticas Sociais do do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é preciso que esta substituição seja acompanhada de perto. "Nenhuma política é infalível, e com o Enem não poderia ser diferente. É preciso que se criem instrumentos de avaliação para analisarmos os resultados e ver se essa medida deu certo. É necesário uma garantia da qualidade do exame para que ele não prejudique esses jovens e a educação como um todo", afirma Corbucci. Procurada pela reportagem para responder às críticas dos educadores, a direção do Inep preferiu não se manifestar a respeito das mudanças incorporadas este ano à concessão do certificado de ensino médio.

Pedidos devem ser feitos até o dia 31 de março - De acordo com as normas divulgadas pelo Ministério da Educação (MEC), aqueles que tiverem 18 anos ou mais e obtiveram 400 pontos na parte prática e 500 pontos na redação da prova do Enem podem entrar com um pedido de certificação do ensino médio até o dia 31 de março, na página eletrônica do Inep. Ainda de acordo com o MEC, as secretarias estaduais de educação são as responsáveis pela emissão dos certificados, tendo a liberdade de usar os critérios ue acharem necessários para a certificação, com base nas notas do Enem. As instituições federais de ensino superior também podem emitir certificados de conclusão do Ensino Médio. Até o ano passado, a nota mínima para conseguir o certificado era de 100 pontos no Encceja. Então o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), orgão do MEC, montou uma análise estatística para fazer uma correlação entre a nota de corte do antigo Encceja e a atual nota do Enem. De acordo com a pesquisa "Juventude e Políticas Sociais no Brasil", organizado pelo Ipea, somente 6,2% dos jovens que participam de programas de alfabetização, os chmados supletivos, dão continuidade aos estudos. Esta discrepância teria sido uma das razões para a substituição do Encceja pelo Enem na certificação do ensino médio.