Brasileiros voltam à escola
depois de décadas e enfrentam difícil recomeço
05/12/2011
Depois de 29 anos longe dos bancos escolares —
parou aos 14, na 4 série do Ensino Fundamental — a
alagoana Maria Marta dos Santos, de 43 anos, voltou a estudar este ano. Ela
está matriculada na Escola Estadual Regueira Costa,
em Recife, onde cursa a Educação de Jovens e Adultos (EJA), e orgulha-se de só
ter faltado três vezes durante o ano. Assim como Maria, 2,8 milhões de pessoas
com 15 anos ou mais estão matriculadas no Ensino Fundamental em turmas de EJA.
No Ensino Médio, segundo dados do Censo Escolar 2010, 1,4 milhão está
matriculado.
— Este ano, faltei duas vezes por problema de saúde
e uma vez quando tive que trabalhar. Fui para a aula até no dia do aniversário
da minha patroa. Ela acabou indo me buscar e perdi as aulas finais, mas fui
porque não queria mesmo faltar — conta Maria, que pretende fazer um curso técnico
de enfermagem.
Além das turmas de EJA, um outro programa leva de volta à sala de aula aqueles que
têm 15 anos ou mais: O Brasil Alfabetizado, que desde 2003, segundo o
Ministério da Educação (MEC), atendeu 13.667.039 pessoas analfabetas. No ciclo
2010, de acordo com o MEC, 1,5 milhão está sendo
alfabetizado. Desses, 18% têm entre 15 e 29 anos, 44% estão entre 30 e 49 anos,
25% possuem entre 50 e 64 e 13% possuem 65 anos ou mais. Os cursos podem durar
entre seis e oito meses, dependendo da carga horária.
— O Brasil quase universalizou o ensino nos
primeiros anos do Fundamental, mas a demanda da
educação de jovens e adultos no Fundamental II e no Ensino Médio tende a
crescer. Temos 70 milhões de brasileiros que deixaram a escola antes de
concluir a Educação Básica. E, ainda hoje, muitos jovens de baixa renda com 12,
13 anos largam a escola para entrar no mercado de trabalho ou porque não se
sentem valorizados — diz Roberto Capelli, coordenador
do Programa de Educação de Jovens e Adultos da Ação Educativa.
Em Pernambuco, 143 mil frequentam
turmas de EJA
Segundo Capelli,
o país precisa investir nesse segmento para que mais pessoas cheguem às salas
de aula:
— Temos pouco mais de 4
milhões de matrículas de EJA. E são 70 milhões sem concluir a Educação Básica.
Então, existe a necessidade de buscar esse aluno, de convidá-lo a ir à escola.
Mas, além disso, é preciso criar uma escola adequada. Mais flexível,
com horários não tão pré-estabelecidos, que ofereça aulas de dia e não
só à noite, com salas adaptadas para pessoas mais velhas. E, também, com
profissionais formados para ensinar adultos. O modelo que temos replica o
modelo infantil, reproduz a aula da escola regular e isso não funciona. Tanto
que a evasão fica entre 30% e 50%, e isso independe da série cursada.
Superintendente executiva da AlfaSol, Regina Célia de Siqueira
acredita que a educação de jovens e adultos têm "dois desafios":
— Levar as salas de aula para mais perto dos alunos
e integrar as aulas ao ensino profissionalizante, pensando na inserção do aluno
no mercado de trabalho.
Gerente de Educação de Jovens e
Adultos da Secretaria de Educação de Pernambuco, Cláudia Abreu conta que este
ano foram matriculados 143 mil pessoas em turmas de
EJA. No colégio onde Maria estuda, 400 alunos estão matriculados. A escola tem
três sedes: nos bairros populares de Dois Unidos e Beberibe, ambos na Zona
Norte do Recife, e uma no Rosarinho, bairro de classe
média alta, onde funciona a sede.
— A maior parte da clientela da sede é formada por
domésticas, pedreiros, serventes e eletricistas que trabalham nas redondezas.
Quando eles mudam de emprego terminam largando a escola. É muito triste ter que
dizer isso, mas no final do ano, a evasão chega a 60% na sede. Nas unidades da
periferia, fica em 30%, número ainda muito alto — conta a diretora adjunta do
colégio, Télia Virgínia Costa.
Em São Paulo, a evasão vem sido
combatida com o uso de smartphones. Cerca de 160
alunos em dez escolas da rede pública das cidades paulistas de Campinas,
Araras, Itatiba, Franca e Pirassununga têm aulas e fazem exercícios diários com
um software instalado nos celulares, num projeto que pretende ajudar na
alfabetização de adultos. Batizado de Palma (Programa de Alfabetização na
Língua Materna), o programa começou a ser testado no início do ano, e já
conseguiu diminuir em 80% a taxa de evasão das turmas, em comparação com a
média nacional de alfabetização de adultos.
O software foi idealizado pelo
matemático José Luís Poli, um dos fundadores da rede paulista de escolas e
universidades Anhanguera. Depois de perceber que mesmo os analfabetos têm
familiaridade com celulares, ele resolveu investir na criação de um programa
que complemente os estudos dos adultos que não sabem ler e escrever. O método
funciona assim: todos os dias, a 1 atividade em sala é
usar o celular para assistir aulas e fazer exercícios. A professora monitora os
alunos e na aula seguinte ensina do jeito tradicional, com quadro-negro e giz.
Os exercícios ficam mais complexos à medida que o estudante avança.
— Tem muito preconceito. Minha vida vai mudar
quando eu souber ler e escrever direito — diz o carpinteiro Lucídio
Rampazzo, de 57 anos, que tem aulas com o smartphone.
— Não dá para pensar só com lousa e giz. A vida
dessas pessoas é dura. Tem alunos que são eletricistas, costureiras, e quando
chegam à escola estão muito cansados, dormem na cadeira. Quando colocamos um
telefone na mão deles, muda a ação, eles despertam — diz Poli.
O Globo
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