Folha Dirigida, 30/09/2003 - Rio de Janeiro RJ

Aposta renovada no ensino técnico

Andréa Antunes

 

Honrada por tomar posse nesta terça, dia 30, na Academia Brasileira de Educação (ABE), a educadora Nilda Teves deixa bem clara sua posição frente a problemas a serem vencidos na Educação do estado, e por que não, do Brasil como um todo. Para esta "jovem", que há 40 anos se dedica a transmitir conhecimento para os mais jovens, nada melhor para o ego do que receber tal homenagem de pessoas que um dia serviram como diretrizes na sua profissão. "Serei imortal para os meus alunos, a quem devo todo o meu esforço nesses anos todos", afirma com orgulho Nilda Teves. O preconceito que existe em relação ao ensino técnico deve-se basicamente a motivos históricos, segundo esta educadora. A resistência teria sua origem em um passado no qual o ensino  profissionalizante  era basicamente voltado para as pessoas mais carentes e humildes do país. Mas, num mundo cada vez mais competitivo, o ensino técnico assume, sim, um papel de destaque. "O aluno hoje não pode nem pensar em perder tempo. Por isso acredito que o ensino técnico ministrado em escolas preparadas para tal deva ocorrer simultaneamente ao ensino médio. Caso contrário, este jovem torna-se apenas mais um burocrata num país que precisa hoje cada vez menos disso", defende Nilda Teves. Ao avaliar o desempenho nestes primeiros meses de governo, tanto do ministro da Educação, Cristovam Buarque, como da secretária Estadual, Darcília Leite, ela afirma se sentir impossibilitada pelo pouco tempo dos mesmos à frente de suas respectivas pastas. Porém, a nova acadêmica se ressente da falta de discussões técnicas, uma vez que considera inadmissível a politização por quem quer que seja de um tema tão importante. "É inconcebível docentes servirem a políticos em qualquer instância, quando se levantam discussões acerca da falta de professores nas escolas. Mesmo assim, continuo a acreditar na secretária por ela defender a idéia que falta organização a algumas escolas, e não professores", destaca Nilda. Regime de cotas e formação em nível superior para professores que pretendem dar aulas para crianças da Educação Infantil à 4ª série do ensino fundamental são outros temas levantados por Nilda Teves nesta entrevista à Folha Dirigida.

 

Folha Dirigida - A sra., nestes 40 anos dedicados à educação, teve uma grande ligação com o ensino técnico. Qual é hoje o papel das escolas técnicas?

 

Nilda Teves - O ensino técnico tem um propósito de ensino de nível médio, quer dizer, habilitar as pessoas para atender a demanda do mercado de trabalho com um nível médio de competências e habilidades. Competências com habilidades mais aprofundadas são encargos do nível superior.

 

Folha Dirigida - O sonho de todo estudante, no Brasil, é ter um diploma de nível superior. Por que o ensino técnico é tão desprestigiado?

Nilda Teves - A origem disso é histórica. O Brasil teve a idéia de formação profissional como de segunda categoria. A origem da formação profissional estava ligada a pessoas carentes, órfãos, ao Exército, à Marinha. O ensino técnico, na verdade, era um ensino profissionalizante ligado aos carentes. Isto originou na classe média a idéia de que seus filhos não fariam cursos profissionalizantes. Os seus filhos seriam encaminhados para a universidade. Esta é uma idéia do Brasil colonial. É uma idéia de Brasil que se pensou em apenas duas classes sociais — uma dirigente e outra dirigida. Mas, hoje, a universidade traz para si esta competência de profissionalizar. Como ficou este hiato? Que hiato o Sesc e o Senac deixaram? É hora de se pensar que estas instâncias não morreram. Elas acumularam um conhecimento durante muitos anos do que a sociedade precisa. As escolas técnicas têm a incumbência de responder às demandas sociais numa linha semelhante ao Sesc, Senac, Senai.

 

Folha Dirigida - O que é preciso fazer para que a sociedade mude a visão que tem do ensino técnico, como algo destinado às classes inferiores?

Nilda Teves - Quando estive na Faetec, cheguei a oferecer oito mil vagas para o concurso público. Nesta época tivemos cerca de 47 mil candidatos. Isto é uma prova de que a sociedade reconhece que o nível técnico é importante para os seus filhos.

 

Folha Dirigida - Mas a grande procura não pode ter sido pelo fato de que, nesta época, ensino técnico e ensino médio eram oferecidos simultaneamente?

Nilda Teves - Não acredito nisso e sim que as pessoas procuravam um ensino que atendia aos seus filhos como forma de profissionalizá-los para o século 21. Hoje as empresas pedem versatilidade às pessoas, capacidade de transitar de um lugar para o outro e os pais percebem que o ensino técnico está preparando para isso. É um resultado concreto de que os pais estão acreditando que os filhos serão formados no ensino técnico para a vida.

 

Folha Dirigida - A sra. diria, então, que o ensino técnico vem ganhando prestígio ao longo dos anos?

 

Nilda Teves - Com certeza. Se o que se oferece ao povo é algo concreto, real, verdadeiro, ele responde de forma positiva.

 

Folha Dirigida - Qual a diferença entre ensino profissionalizante e ensino técnico?

Nilda Teves - O ensino profissionalizante independe da escolaridade. Ele ensina a fazer, a executar determinadas tarefas. Por exemplo, um jovem para aprender o ofício de padeiro não precisa ter conhecimento prévio de uma profissão. Ou seja, fazer o pão ele sabe, o que não sabe é calcular quanto deve custar o pão. Para isso é necessário o ensino técnico. Neste caso, o que temos é uma especialização em determinada área, onde é necessário um certo nível de conhecimento.

 

Folha Dirigida - Como a sra. analisa o fato de hoje o ensino técnico não ser feito mais

concomitantemente com o ensino médio?

 

Nilda Teves - Ainda acho que o ensino técnico deve ser feito junto com o ensino médio para que o jovem não perca tempo. O ensino médio dá o conhecimento básico das disciplinas para que se possa fazer o curso técnico. Então, não adianta fazer o curso técnico se as matérias não estiverem na cabeça. O ensino técnico tem que ser junto com o ensino das ciências humanas, se não o aluno se transforma em tecnocrata. Não é capaz de discernir porque o mundo do trabalho opera de uma maneira e o da sociedade de outra.

 

Folha Dirigida - O ministro da Educação, Cristovam Buarque, levantou a discussão sobre a necessidade de formação em nível superior de professores de educação infantil e de professores da 1ª a 4ª série. Qual sua opinião sobre isso?

Nilda Teves - Acho que o ministro se orientou diante das dificuldades objetivas que encontra. A LDB, que foi amplamente discutida, exige que os professores tenham ensino superior. Este é um desejo antigo. Mas o que é ensino superior? É dotar o professor para que ele passe conhecimento, desenvolva aprendizagem, o que a escola normal, que era em nível médio, não dava. Creio que o ministro, que nunca trabalhou com este nível, esteja esbarrando com o fato de que o Brasil não tem como dotar todos os professores do país com nível superior. Por isso, está optando por uma medida paliativa que é o fim da exigência. É um erro. Ele deveria lutar pela implementação de condições objetivas do Oiapoque ao Chuí, para que a exigência pudesse ser cumprida. Porque é inegável o que se comete de barbaridades com as crianças, não por maldade, mas por ignorância.

 

Folha Dirigida - Como a sra. avalia a gestão da atual secretária de Educação, Darcília Leite?

 

Nilda Teves - Não quero julgar a secretária porque quando sentamos à mesa vemos que as coisas são bem diferentes do que imaginamos. Há um pressusposto de que a Educação, assim como a Saúde, não pode ser partidarizada. O grande problema que o Brasil sofre é que há uma partidarização da Educação e da Saúde. Isto é um problema sério. Se colocarmos estas duas áreas como campos neutros, vamos melhorar. Mas se deixarmos a escola à mercê de um vereador, não faremos educação que preste. Acho que o concurso para professores é fundamental, porém acredito na secretária quando ela diz que tem escolas com professores, mas não tem organização. Isto porque existe o sistema corporativo. A partir do momento em que se faz eleição para diretor, o vencedor do pleito tem compromissos com o seu eleitor. Por isso, muitas vezes o professor não está em sala de aula. Quando assumi o Instituto de Educação, constatei que cinco turmas estavam sem professores, enquanto um número enorme de docentes estava atendendo a deputados, a vereadores. Não concordei com isso e creio que a secretária enfrenta estes problemas que estão ligados à trama política do Rio. A grande questão é fazer estes professores voltarem para a sala de aula. O governador e o prefeito devem resolver isso não permitindo o remanejamento de professor para estamentos políticos.

 

Folha Dirigida - Como a sra. avalia o sistema de cotas nas universidades do Estado?

Nilda Teves - Sou contra, porque o saber não tem cor. Fui superintendente da UFRJ e fui defensora de vagas para escolas públicas, mas hoje repenso isso. Repenso porque se o jovem achar que tem uma concorrência menor do que a concorrência real, que vai ser a vida dele, ele afrouxa o seu investimento, no sentido de estudar. Na vida não haverá cotas. O que acho é que a universidade poderia dar apoio, através de uma série de incentivos a quem entrou, mas encontra dificuldades por ter feito um ensino público.

 

Folha Dirigida - O que significa seu ingresso na Academia Brasileira de Educação (ABE)?

 

Nilda Teves - É um rito de passagem. Passei a minha vida inteira dedicada à Educação. São 40 anos. Fazer parte de um grupo que também passou por isso, como Nilton Sucupira, Carlos Alberto Serpa, Terezinha Saraiva — pessoas que passaram suas vidas preocupadas com a educação brasileira — significa para mim um prêmio. É como dizer que você correu nas olimpíadas e chegou. O professor e o educador têm momentos de desolação, de medos, de depressão. E quando se chega a um momento em que se é reconhecido como membro de uma Academia de Educação, é um fato de muita relevância na minha carreira. Não é porque vou ser imortal. Serei imortal para os meus alunos. Aquele que futuramente ocupar a minha cadeira terá que falar um pouco sobre mim. É algo que qualquer educador almeja. É um momento em que me senti lisonjeada por sentar ao lado de Terezinha Saraiva, algo que me faz sentir premiada. Substituir Nair Forte Abumeri, isso me deixa cheia de orgulho. Meu maior prêmio é ser homenageada por um homem que, independente de nossas divergências ideológicas, marcou minha vida. Nilton Sucupira, o homem que criou a pós-graduação no Brasil, é um personagem da educação brasileira. Quando ele fizer a saudação para a minha entrada na academia, isso terá o significado de que fechei um ciclo. Comecei como aluna dele, trabalhando com ele na Fundação Getúlio Vargas. Terminar com ele me saudando na Academia de Educação é uma glória. Este círculo diz o seguinte: Há um trajeto para o educador e vale a pena apostar neste trajeto.