O Povo, 01/02/2003 - Fortaleza CE

Analfabetismo zero

Com o instrumental correto, é possível alfabetizar adultos em três meses, cinco milhões a cada ano e 20 milhões em quatro anos

Esther Pillar Grossi

 

Estamos vivendo um momento único, dificilmente resgatável para zerar o analfabetismo no Brasil. Duas razões embasam esta afirmação. A primeira é a enorme energia, irmã da esperança, que a vitória de Lula gerou e que pode ajudar a desfazer grandes resistências que os adultos analfabetos opõem a uma nova tentativa de superar esta sua lacuna de cidadão, face às inúmeras frustrações acumuladas em experiências mal sucedidas para ler e escrever. A segunda, são as estupendas descobertas pedagógicas que permitem alfabetizar adultos em três meses.

 

Entretanto, o empenho para fazê-lo é de uma exigência imensa. Dezenove milhões de analfabetos absolutos acima de 15 anos e 35 milhões de analfabetos funcionais, jovens e adultos, é desafio gigantesco para ser enfrentado em quatro anos. O ministro da educação, Cristóvam Buarque anunciou que sua meta é zerar o analfabetismo. Trabalhos sérios estão acontecendo no mundo há mais de 25 anos, na pesquisa, na ação     e na formação para alfabetizar crianças e adultos. Ações enfatizam que ensinar não é transmitir conhecimentos, mas, sim levar a pensar através da provocação com problemas a resolver. Estas novidades pedagógicas é que orientarão o ousado programa do governo Lula para zerar o analfabetismo no Brasil.

 

A possibilidade de ensinar a todos repousa na organização de uma didática que conheça as riquezas do processo de pensamento dos alunos, face a um conhecimento socialmente desejável que eles querem construir. No caso da alfabetização, que se consiga caracterizar as idéias ricas, mas incompletas, que as pessoas forjam, na tentativa de explicar a si mesmas o que é este intrigante e fascinante mundo das palavras escritas. Estas idéias tem sua origem na concepção da escrita como desenho, na qual, nada melhor para escrever casa, árvore ou peixe do que desenhá-los. A hipótese, rumo à alfabetização depois do desenho, é a da escrita com letras, mas  sem vinculação com a pronúncia. Neste nível, as pessoas logicamente pensam que boi é uma palavra com mais letras do que borboleta, uma vez que boi é muito maior do que borboleta, como animais reais. Na terceira hipótese, o aluno já vincula a escrita com a pronúncia, mas associando uma só letra a cada sílaba oral. Assim, medo teria duas letras e esperança, quatro. Identificar estes níveis na performance dos alunos de uma turma e organizar provocações que os façam percorrê-los eficientemente é a aventura maravilhosa, que cabe aos professores alfabetizadores, tanto de crianças como de adultos, convocados pela Escola do Tamanho do Brasil da qual estamos iniciando a edificação.

 

Com este instrumental é possível alfabetizar adultos em três meses, cinco milhões a cada ano e 20 milhões em quatro anos, desfazendo a vergonha de conviver com tantos irmãos brasileiros à margem da linguagem escrita, recurso de comunicação essencial na vida, hoje.

Esther Pillar Grossi é doutora em Psicologia da Inteligência pela Universidade de Paris (França) e deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT-RS)