Jornal do Brasil, 07/04/2006 - Rio de
Janeiro RJ
A França é aqui!
José Dirceu
A
revolta social voltou às ruas da Europa e escolheu a margem esquerda do Sena
para anunciar ao mundo que a juventude não aceita ter, como destino, a lata de
lixo da história. Na versão francesa, esse destino tem um nome, Contrato de
Primeiro Emprego - CEP, maneira elegante de legalizar o ''bico'' e instalar a
lógica da ocupação precária no mercado de trabalho. O CEP rebaixa direitos e
permite demissão sem justa causa, nos primeiros 24 meses do contrato de
trabalho. O primeiro-ministro Villepin assegura que é
a única maneira de enfrentar taxas de desemprego de 9% a 20% num país onde a
mão-de-obra ganha US$ 18 por hora, contra US$ 0,60/hora da concorrência
chinesa, que se impõe como novo paradigma no metabolismo do comércio global. A
juventude e os sindicatos franceses enxergaram, na medida, um cavalo de Tróia,
destinado a implodir as bases do modelo de Bem-Estar Social numa França cada
vez mais ilhada pela maré neoliberal. A verdade é que, exceto pela reconhecida
capacidade de mobilização francesa, a revolta em marcha não reflete,
propriamente, uma questão local. Seja em Paris, no Morro do Alemão carioca ou
no Capão Redondo, em São Paulo, as forças de mercado passaram a emitir um mesmo
e inquietante recado aos jovens de quase todo o planeta: o futuro acabou.
Essa
é a origem do grande mal-estar que ronda a Europa e explica por que um mero
projeto-de-lei conservador do governo Chirac, agora aprovado, conseguiu unir
praticamente toda a oposição e colocar de novo nas ruas, lado a lado,
operários, estudantes e aposentados, em defesa de direitos que os economistas
ortodoxos, de lá e de cá, dizem não ter mais lugar na história. A lógica em
curso é clara. Para que as economias possam prosperar, as sociedades devem
aceitar o crepúsculo de suas conquistas históricas. Flexibilização de
orçamentos sociais, privatizações, Estado mínimo e redução do guarda-chuva
trabalhista formam o ideário da transição em marcha. Adotada no Brasil, nos
anos 90, essa receita teve um custo alto que pagamos até hoje: de 1995 a 2002,
fomos o país com maior redução de postos de trabalho entre as vinte maiores
economias do mundo - perdemos 20% das vagas -, e o impacto maior desse ajuste
recaiu sobre o contingente com menos de 25 anos de idade.
Que
tipo de cidadão esse modelo econômico produz? Segundo a pesquisa Ibase/Pólis, 27,1% dos nossos
jovens não estão na escola nem no trabalho; 25,9% só trabalham (não se sabe em
que condições) e 33,6% só estudam, privilégio apenas aparente que pode
dissimular o desemprego oculto. Não há dúvida de que a porta de entrada da
escola é uma das saídas para credenciar o jovem a disputar uma vaga no mercado
de trabalho competitivo do século 21. São muitas as iniciativas do governo federal
que buscam enfrentar esse grande desafio. O Fundeb,
já aprovado pela Câmara dos Deputados, cria as condições para um aumento
constante das vagas de ensino médio e nas escolas técnicas e
profissionalizantes públicas. Hoje, o Brasil constrói, simultaneamente, quatro
novas universidades federais, transforma seis faculdades em universidades e tem
45 extensões universitárias sendo implantadas no interior, além de 32 novas
escolas técnicas em construção. O ProUni já
beneficiou 203 mil jovens oriundos de escolas públicas e o Pró Jovem atende 92
mil jovens entre 18 e 24 anos, que recebem uma bolsa por 12 meses enquanto se
qualificam profissionalmente.
É
preciso continuar investindo fortemente na educação, em especial nos ensinos
médio e profissionalizante. Porém, garantir escola e qualificação à nossa
juventude é condição necessária, mas não suficiente. Os jovens franceses que,
nos últimos dias, incendeiam Paris, saem das melhores universidades do mundo
direto para o desemprego. A lição é muito clara: um sistema educacional só tem
sentido se estiver articulado a um grande projeto de desenvolvimento do país,
democraticamente negociado com a sociedade e não apenas com o mercado. Esse é o
desafio deste ano eleitoral: definir nossa brecha de excelência na economia globalizada
para devolver à cidadania e, sobretudo, à juventude, um sentido de
pertencimento que resgate o direito à esperança e ao futuro.